quinta-feira, 27 de novembro de 2014

O drama da extinção

O drama da extinção

A morte de um dos dois rinocerontes-brancos machos remanescentes é prova de quão destrutivo pode ser o homem em sua relação com a natureza

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Jennifer Ann Thomas
Veja - 11/2014
Jesse The Traveler/Creative Commons


Em outubro ocorreu uma morte chocante: a de Suni, aos 34 anos, um rinoceronte-branco-do-norte, macho, um dos quatro da espécie vivendo na reserva Ol Pejeta, no Quênia. Até recentemente, ainda não se sabia se ele tinha sido morto por caçadores, se perdera a vida em um acidente ou se morrera de causas naturais.

Por que a importância? Suni era um dos dois últimos exemplares machos no mundo. Sobrou apenas Sudan, que mora no mesmo local, mas tem 40 anos (idoso para um rinoceronte) e é tido como incapaz de reproduzir-se. A esperança de ver o nascimento de filhotes está guardada em outro lugar, no Instituto Leibniz para Pesquisa em Zoologia e Vida Selvagem, em Berlim. Lá permanecem congelados potes com esperma colhido de machos. Com esse material, cientistas esperam engravidar as últimas cinco fêmeas que restam, ou criar clones.

espécie teve sua população reduzida pela caça. É mais uma vítima da estupidez humana: eles são mortos por causa de seus chifres, que valem 57 mil dólares no mercado negro. Quem os compra? Representantes da pseudomedicina chinesa, que lhes atribui propriedades mágicas. O rinoceronte-branco-do-norte é o exemplo máximo de como é preciso combater os abusos na delicada relação entre o homem e a natureza.

Conservacionistas consideram quase impossível recuperar a população de rinocerontes-brancos. Em 1960 havia 2 mil. A caça, já ilegal na época, fez a população cair para quinze em 1984. Desde então, a espécie é conservada em cativeiro. Diz a bióloga Jana Mysliveckova, porta-voz do zoológico Dvur Králové, na República Checa, onde nasceu Suni, e que abriga um outro exemplar: "Tudo leva a crer que não há esperança de vê-los reproduzir-se, mas temos de continuar com o esforço".

Em 2003, uma equipe de cientistas espanhóis e franceses usou genes preservadosem laboratório para trazer de volta à vida uma espécie de cabra selvagem extinta há catorze anos. O clone morreu dez minutos após o nascimento, por má-formação dos pulmões. Há planos para utilizar método similar para criar filhotes de rinocerontes-brancos. Afirma o paleontólogo Michael Archer, especialista em conservação, da Universidade de New South Wales, na Austrália: "Os desafios para progredir com os experimentos são tecnológicos, não biológicos. É possível criar um animal a partir de seu genoma, mas ainda não temos técnicas capazes de realizar isso com apuro, sem risco para o filhote".

O esforço conservacionista tenta reverter danos causados pela humanidade e que eram considerados irreversíveis há uma década. Um relatório da União Internacional para a Conservação da Natureza destacou que cerca de 20 mil espécies estão hoje ameaçadas de extinção. Só no Brasil, o país com a maior biodiversidade do planeta, há 1.051 à beira do desaparecimento. Todo ano, ao menos 200 espécies são extintas. O aniquilamento impacta todo o habitat. Os rinocerontes, por exemplo, estão na categoria dos mega-herbívoros, que na cadeia alimentar ficam no patamar dos superpredadores, como o leão. Se um animal desses tipos desaparece, o ecossistema é desbalanceado: pragas se multiplicam, a diversidade das plantas é afetada e, no fim, o impacto pode alterar definitivamente o bioma local. Em efeito contínuo, homens deixam de ter acesso a recursos naturais da região com os quais estavam acostumados.

O homem, assim como qualquer ser vivo, depende da natureza. Todos os animais, incluindo nós, retiram o que precisam do ambiente. O ser humano, no entanto, parece ter excedido sua cota. No atual ritmo de consumo, o planeta precisa de um ano e seis meses para repor o impacto humano de um ano. A conta não fecha e, a continuar nessa toada, o fim inevitável é o colapso. Felizmente, é crescente o empenho em criar ações concretas para proteger o ambiente.

Houve inegável progresso nas últimas quatro décadas. Passou-se a discutir a necessidade de controlar a emissão de CO2 na atmosfera, surgiram programas de reciclagem e agora se fomenta a utilização moderada de recursos naturais. É lógico que o homem, onívoro, acaba por matar animais. Mas a caça de bichos silvestres não só deixou de ser glorificada, como é abominada pela maioria. Mesmo assim, ela continua a pôr em risco centenas de espécies, como as ararinhas-azuis brasileiras (inspiração do personagem Blue, da série de desenho animado Rio, 1 e 2, dirigida pelo brasileiro Carlos Saldanha).

Em 2007, milicianos assassinaram sete raros gorilas-das-montanhas no Congo apenas para envergonhar guardas-florestais que tentavam impedir um esquema de corrupção que repassava a criminosos o valor pago por turistas para ver os animais. É clichê dizer que o homem é como um vírus para o planeta. Resta saber se a humanidade escolherá corresponder a essa imagem destrutiva, ou se aprenderá a controlar seus instintos animais.

RINOCERONTE-BRANCO-DO-NORTE
Quantidade: seis (todos em cativeiro)
Onde vivem: na reserva Ol Pejeta, no Quênia, e em zoológicos de San Diego, nos Estados Unidos, e da República Checa
A ameaça: a caça para a comercialização dos chifres, aos quais a pseudomedicina asiática atribui poderes milagrosos, como prevenir infartos
Chance de sobrevivência: quase nula, já que a espécie é considerada extinta na natureza desde 2008 (só existe em cativeiro, e há apenas um macho)

ELEFANTE-AFRICANO
Quantidade: 500 mil (1 mil em cativeiro)
Onde vivem: no sul, no leste e no oeste da África
A ameaça: são mortos pelo marfim de seus dentes. Nos anos 80, eram abatidos 100 mil ao ano. A proibição do comércio, na década seguinte, permitiu a recuperação da espécie
Chance de sobrevivência: enorme. Um estudo na Tanzânia identificou que o número de elefantes aumenta 7,1% ao ano. A espécie virou símbolo de práticas eficientes de sustentabilidade

TIGRE-DE-SUMATRA
Quantidade: 711 (361 em cativeiro)
Onde vivem: na Ilha de Sumatra e em zoológicos
A ameaça: a caça responde por 78% das mortes, o que supre farmácias chinesas clandestinas, nas quais partes do corpo são vendidas como se tivessem propriedades mágicas
Chance de sobrevivência: pequena, já que o número de caçadores não diminui desde a década de 90. Só restarão exemplares na natureza se houver maior fiscalização, não só da caça, como também da venda ilegal na China

ARARINHA-AZUL
Quantidade: 86 (todas em cativeiro)
Onde vivem: em criadouros no interior do Estado de São Paulo, e, no exterior, na Alemanha, na Espanha e no Catar
A ameaça: pela sua beleza, é muito procurada, e caríssima, no mercado negro de tráfico de animais; indígenas ainda usavam penas do pássaro em cocares
Chance de sobrevivência: muito pequena. A espécie é considerada extinta na natureza desde 2000. Espera-se que cheguem a 150 em cativeiro antes de começar a reintrodução em seu habitat.

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