sábado, 4 de outubro de 2014

Um peixe amazônico contra a podridão

Um peixe amazônico contra a podridãoLiana John - /08/2014 

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Uma coleção de bactérias isoladas de ambientes aquáticos amazônicos cruzou o país de norte a sul para um grande trabalho de prospecção. Quando a equipe do doutor em Ciências Químicas, Adriano Brandelli, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) recebeu a coleção de pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), nenhum deles sabia bem onde tudo ia terminar.
Uma das mestrandas orientadas por Brandelli, Florência Cladera Olivera, trabalhou com as bactérias do intestino de um peixe do gênero Leporinus. Ela estava particularmente interessada em enzimas e bacteriocinas, por sua atividade antimicrobiana e grande potencial para o desenvolvimento de medicamentos. As enzimas, como sabemos, são proteínas produzidas por seres vivos, catalizadoras de reações químicas. Serve para digerir alimentos, quebrar grandes moléculas, coisa assim. Já as bacteriocinas são um novo alvo da pesquisa de ponta: são proteínas produzidas por bactérias para concorrer com outras bactérias, na disputa pela colonização de um ambiente, seja este ambiente um meio de cultura, as águas de um rio ou o intestino de um peixe. As bacteriocinas podem dar origem a uma nova classe de antibióticos por sua capacidade de eliminar inclusive bactérias resistentes aos medicamentos hoje em uso.
“Em geral, as bacteriocinas inibem o crescimento de outras bactérias bastante similares àquela que as produz”, explica Florência. Em seu mestrado, ela se concentrou nas bacteriocinas produzidas por Bacillus licheniformis, verificando atividade contra microrganismos prejudiciais ao homem, causadores de doenças ou da deterioração de alimentos. Entre estes estavam, por exemplo, Bacillus cereus (intoxicação alimentar),Listeria monocytogenes (meningite), Streptococcus sp. (infecções da pele e do sangue) e Erwinia carotovora (podridão mole da batata).
Dada a importância econômica da podridão mole no armazenamento de batatas, a pesquisadora se concentrou em novos testes com a bacteriocina com a finalidade de controlar essa doença. “Peguei várias batatas e inoculei a bactéria patogênica E. carotovora junto à bacteriocina, que já havia multiplicado em laboratório”, conta. “E a bacteriocina inibiu a podridão mole”.
Claro que, para se chegar à recomendação de aplicação e dose para aspersão em depósitos com grande quantidade de batatas seria necessário avançar no desenvolvimento do produto comercial, inclusive com testes de toxicidade, eficiência e com uma formulação estável para comercialização. Isso Florência não fez, seria trabalho para uma indústria interessada em investir nessa linha de antimicrobianos. Mas ela chegou até a estudar algumas opções de substrato para produzir a bacteriocina em escala, sem precisar recorrer novamente à fonte original do Bacillus licheniformis: os intestinos de peixes aparentados com o piau (Leporinus fasciatus) e o piau-três-pintas(Leporinus freiderici).
“O soro de queijo é um subproduto dos laticínios, antes tratado como resíduo, mas hoje usado na fabricação de bebidas láctea e adicionado a diversos outros alimentos. Mesmo assim, a produção de soro de queijo é muito grande e seria uma alternativa viável de substrato para a multiplicação da bactéria e obtenção da bacteriocina”, pondera a pesquisadora, que hoje já é doutora em Engenharia Química pela UFRGS, onde é professora adjunta do Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos. Por sua pesquisa com a bacteriocina do peixe amazônico no controle da podridão da batata, Florência Cladera Olivera recebeu o Prêmio Jovem Cientista e foi convidada para palestras, como a realizada na Associação Brasileira de Batata. Sua pesquisa, assim como as demais desenvolvidas pela equipe de Adriano Brandelli, contou com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs).
Não seria uma boa ideia dar andamento ao que falta para fazer dessa descoberta uma opção à perda de alimentos e, melhor ainda, ao uso de agroquímicos contra a podridão?
Leporinus_fasciatus,_Pengo_WikimediaCommons
Foto: Maraísa Ribeiro (ao alto piau-três-pintas Leporinus frederici)
           Pengo/Wikimedia Commons (acima peixes da espécie Leporinus fasciatusem aquário)

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