quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A saga da Dona Xepa sustentável

A saga da Dona Xepa sustentável

Radicada no Morro da Babilônia, a chef Regina Tchelly – que, em 2011, criou o projeto Favela Orgânica - vai ensinar culinária sustentável aos cozinheiros do Vaticano

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Carolina Barbosa Veja Rio - 2014
Tomás Rangel

De Alain Ducasse a Daniel Boulud, raros seriam os mestres-cucas que não topariam o desafio de entrar no Vaticano para treinar os cozinheiros da Santa Sé. Corre no noticiário italiano, no entanto, que quem recebeu o convite para a tarefa sagrada foi Regina Tchelly, de 32 anos, paraibana de Serraria radicada no Morro da Babilônia, no Leme, há mais de uma década.

Ainda que não ostente no currículo nenhum certificado de uma prestigiada escola internacional de culinária, razões não faltam para explicar a solicitação. Militante da gastronomia sustentável, cujo grande pilar é o aproveitamento total dos alimentos, a cozinheira desenvolve um trabalho que está exatamente alinhado com os ideais do papa Francisco, dono de um discurso enfático contra o desperdício de comida no mundo. "A casca de uma cenoura pode ser incorporada a uma receita de bolo, e a rama, por sua vez, ser usada em um molho pesto", exemplifica ela.

De origem simples, Regina Tchelly tornou-se conhecida a partir de 2011, quando trabalhava como empregada doméstica e, em paralelo, criou no lugar onde vive o projeto Favela Orgânica*. O objetivo era ensinar aos moradores como aproveitar ao máximo os alimentos.

Tudo começou com um investimento de 140 reais e uma oficina para seis mulheres. Logo em seguida, a empreitada ganhou desdobramentos: um bufê e novas palestras e treinamentos, como o que fez na semana passada em Foz do Iguaçu, onde ensinou às merendeiras locais a arte de preparar lanches mais saudáveis - algo que, em maior proporção, foi feito na Inglaterra pelo chef e apresentador de TV Jamie Oliver, que liderou uma campanha por uma nova dieta estudantil. "As pessoas complicam muito a alimentação, e minha proposta é descomplicá-la. Os chefs querem ser mais estrelas do que a própria comida", critica a chef, que fez apenas um curso profissionalizante no Senac e sonha em conseguir fundos para construir uma sede para o projeto.

Com seu jeito espontâneo e batalhador, Regina teve reconhecimento instantâneo para sua iniciativa. Participou da Rio + 20, comandou o bufê para receber o príncipe Harry, em março de 2012, e organizou, no ano seguinte, um banquete para o ator Harrison Ford no Morro da Babilônia. Na ocasião, fez um salpicão de casca de melancia. Ao contar ao astro americano que se tratava de um "viagra natural", ouviu dele: "Very, very good!".

Mais recentemente, a convite do italiano Carlo Petrini, fundador do movimento internacional Slow Food, passou uma temporada na Universidade de Ciências Gastronômicas, em Pollenzo, onde mostrou sua técnica aos alunos. Antes dela, o último brasileiro que esteve lá foi Alex Atala, eleito o melhor chef do mundo pela revista inglesa Restaurant. "Regina desenvolveu seu talento com a ideia de não desperdiçar, uma tendência cada vez maior entre cozinheiros cuidadosos. Seu trabalho inclui um impressionante conjunto de valores que ligam comida e sociedade", diz Petrini. São receitas, como o Vaticano vai ver, para comer de joelhos
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