quinta-feira, 10 de julho de 2014

Quem é o dono do Ártico?

Quem é o dono do Ártico?

O território gelado guarda nada menos do que 400 bilhões de barris de petróleo. E todo mundo quer beliscar um pedaço desse tesouro.





por Texto Pedro Dória

Nas contas da respeitada consultoria da área de energia Wood Mackenzie, há 400 bilhões de barris de petróleo no círculo polar ártico. Não custa comparar, o megacampo de Tupi, anunciado em novembro último pela Petrobras, tem até 8 bilhões de barris. E essa brutal quantidade inexplorada de combustível no Ártico é um problema. Primeiro, porque gera a tentação de explorar; segundo, porque não é tão claro quem manda naquelas águas; terceiro, pelo aquecimento global.
Em julho, a Rússia pediu à ONU que incluísse em seu território 119 395 km2 do Pólo Norte. O Pólo Norte não é como o Sul: não há terra para além de Europa, Ásia e América do Norte. O que há no topo do mundo é água fresca congelada. Dessa forma, a regra que rege a área é a Lei do Mar, um tratado internacional de 1982 assinado por todos os países cujos territórios ultrapassam o círculo polar ártico com exceção dos EUA.
Os EUA vão assiná-lo. Em 2007, o Senado do país aprovou sua inclusão, embora ainda existam trâmites a seguir. Como a aprovação veio a pedido do presidente George W. Bush, a sanção da Casa Branca é garantida.
O que a Lei do Mar determina é que todo país tem o direito de controlar até 200 milhas de distância de sua costa – equivalente a 370 quilômetros. O dilema é determinar onde tem início a costa. Se um país prova que sua crosta submersa vai além das 200 milhas, conta a partir dali. Mas há um prazo para a requisição – e, portanto, há uma corrida em jogo.
A alegação russa é de que a cordilheira de Lomonosov, que se estende por baixo do oceano Ártico ocupando quase metade do círculo polar, tem início na plataforma continental asiática. Ou seja, da Rússia. A alegação é antiga – a diferença, agora, é que o russos têm um extenso relatório composto por uma expedição a bordo de um submarino nuclear.
Mas, antes que Moscou possa anexar um naco do Ártico equivalente ao tamanho de França, Alemanha e Itália somadas, dois órgãos precisam ratificar o processo. O primeiro é a ONU, responsável por moderar quaisquer dúvidas a respeito da Lei do Mar. O segundo é o Conselho Ártico. Nele, além dos russos, sentam-se também Canadá, EUA, Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia – os 8 que têm territórios para além do círculo.
E isso é um problema. Embora não haja provas científicas, a cordilheira de Lomonosov provavelmente faz parte também da plataforma continental americana – e, seguindo o raciocínio russo, os canadenses poderiam requerer para si a mesma metade do pólo. Aliás, eles já fizeram um requerimento não tão ambicioso, mas ainda assim grande. Como o fizeram também Noruega e Dinamarca e como pretende fazer, segundo o Washington Post, os próprios EUA, tão logo ratifiquem o tratado.
Em jogo, afinal, estão 400 bilhões de barris de petróleo e uma quantidade igualmente dantesca de gás natural. Aquela é a região mais difícil de extração que há – apresenta um problema delicado de engenharia e condições inumanas para habitação. Além do círculo polar, faz sol quase o dia todo no verão e o inverno é noite quase contínua. A vegetação mal cresce e são poucos os animais que sobrevivem. A maior cidade além do círculo é Murmansk, na Rússia, com 325 mil habitantes. A 2a maior, Norilsk, tem 135 mil – e por aí vai. Plataformas petroleiras para muito além do continente – que é mesmo onde ficariam – seriam desumanas.
A confirmar-se a previsão da Wood Mackenzie, de que há mais gás do que petróleo, o problema fica ainda mais difícil. Petróleo leva-se de navio. Para gás, é preciso ou uma usina de liquefação flutuante – que custaria um preço extorsivo – ou um gasoduto, que é impossível de construir sem que o impacto sobre o ambiente, a fauna e a flora seja grande.
O irônico, certamente, é que o Conselho Ártico foi criado em 1996 com um discurso um bocado diferente. O propósito era dividir a responsabilidade pelo derretimento da água fresca que, um dia, congelou no pólo. A mesma água que, uma vez derretida em conseqüência do aquecimento global, mudará as correntes, cobrirá Amsterdã e carregará consigo o clima da Terra. Aquecimento esse, como costuma sugerir a própria ONU, causado pelo excesso de queima de combustíveis fósseis. Esses mesmos que sonha-se retirar do Ártico.

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