quarta-feira, 9 de julho de 2014

Pavan Sukhdev: de executivo do mercado financeiro a líder pela sustentabilidade

Pavan Sukhdev: de executivo do mercado financeiro a líder pela sustentabilidadeSuzana Camargo - 05/2014

Pavan Sukhdev
O indiano discreto, mas de fala rápida e firme, sempre atrai uma pequena multidão ao seu redor depois de suas palestras. Quem ouve Pavan Sukhdev logo entende o porquê. Uma das vozes mais influentes da atualidade, ele defende a economia verde, a valoração dos recursos naturais e a taxação das externalidades corporativas.
Autor do livro Corporação 2020traduzido para o português pelo selo Planeta Sustentável, fundador da consultoria Green Initiatives for a Smart Tomorrow e conselheiro das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Sukhdev está envolvido em um importante projeto: o TEEB, que avalia a economia dos ecossistemas e da biodiversidade, e atualmente ganhou uma versão para o setor de agricultura e alimentos.
Recentemente Pavan Sukhdev esteve no Brasil participando do evento Agrisustenta 2014 – A Revolução Tropical no Campo, em Piracicaba, no interior de São Paulo. Durante café da manhã, com uma cesta farta de pão de queijo – sim, depois de diversas vindas ao Brasil, o indiano se tornou fã do pãozinho mineiro, ele contou como um hobby se transformou em profissão e como se sente responsável por ajudar a mudar o mundo.
Como foi o contato com o meio ambiente na sua infância?
A natureza nunca esteve muito longe de mim. Quando era criança, morava em Nova Déli(capital da Índia), e meu pai sempre nos levava às montanhas do Himalaia (cadeia montanhosa mais alta do mundo, que atravessa a Índia, entre outros países). Era lindo, impressionante! Fazíamos longas caminhadas e com isso sempre me senti muito próximo da natureza.
Quando o senhor deixou a Índia?Em 1978 iniciei meu curso de graduação em Física na Universidade de Oxford, na Inglaterra. Mas também fiz cursos de finanças e contabilidade na minha volta à Índia.
Por que o senhor escolheu a área de finanças?Porque jovens inteligentes na Índia ou se tornavam advogados ou banqueiros (sorriso).E foi o que acabei fazendo também.
E gostava?Sim, para mim finanças era algo muito desafiador e interessante. Mas era um emprego. Eu vivia entre Mumbai e Londres. Era algo que fazia porque vim de uma boa família e jovens de boas famílias se tornam advogados e banqueiros (risadas). Mas ao mesmo tempo eu não conseguia esquecer o que tinha aprendido em economia sobre externalidades: que nós simplesmente as ignoramos!
Ter crescido na Índia o influenciou na maneira de olhar o mundo?Podemos ver a natureza e a pobreza o tempo todo em países como Índia e Brasil. Isto é parte da nossa realidade. Você não cresce como uma criança da cidade mesmo quando nasce nela. Isso certamente me influenciou.
Houve algum episódio especial em sua vida que o fez mudar sua trajetória profissional?Quando Mahima, minha filha mais velha, nasceu. Ela adorava a natureza e eu sempre a levava em lugares onde ela podia ver os pássaros, fotografá-los. Mas na minha cabeça algo me afligia, já que há um grande problema aí. Não damos valor ao meio ambiente e às externalidades.
Como esta inquietude mexeu com sua vida?Ela se tornou uma paixão para mim. Comecei a ler e escrever sobre economia e meio ambiente, conheci o trabalho de vários autores e me familiarizei com estudos sobregreen economy. Isso tudo acontecia enquanto eu ainda trabalhava em banco. Era um hobby. Aproveitava muito com a minha família, mas ler livros sobre a economia verde era minha maneira de relaxar.
Quando o senhor decidiu transformar o hobby em profissão?Aconteceu aos poucos. O hobby se transformou num grande projeto na Índia chamado Green Accounting for Indian States Project (guia para medir o desenvolvimento sustentável dos estados indianos), que foi bastante importante porque muitas pessoas o usaram como modelo para o que pode ser feito na contabilidade verde. Então este foi o projeto original, o Green Indian States Trust - GIST*. Tentei apresentar números de performance econômica para os estados indianos, mostrando que o PIB não era a maneira certa de medir desempenho. Este projeto começou em 2004 e foi até 2008.
O senhor conseguiu ver este estudo ser colocado em prática?Sim. O estudo já acabou. Ele tinha como objetivo demonstrar que havia um problema com a visibilidade do valor econômico da natureza, mas havia soluções que vão desde a correta valoração dos serviços de ecossistemas até a adoção de políticas empresariais e governamentais. Mas agora é hora da implementação do GIST e há uma coalizão maciça na área empresarial. Já temos 27 países que estão colocando em prática o estudo. Houve um grande interesse da comunidade de agricultura sustentável em adotar nosso modelo. Eles nos pediram para avaliar externalidades no campo e apontar caminhos sustentáveis na agricultura. GIST foi apresentado nas Nações Unidas em 2010.
Por que o senhor decidiu deixar finalmente o Deutsche Bank em 2008?Primeiro pedi uma licença sabática ao banco porque tinha conseguido financiamento para elaborar o relatório final do estudo The Economics of Ecosystems and Biodiversity (TEEB) (Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade, em português).A licença durou um, dois, dois anos e meio, e finalmente em 2011 pedi demissão ao Deutsche Bank. Não havia mais sentido em voltar porque minha vida tinha mudado. Agora eu era TEEB. 

O senhor costuma dizer que o nome do projeto deveria ser outro…É uma história muito engraçada. TEEB é um nome muito estranho para um projeto, pois você precisa ser muito técnico para entender o que significa. E eu estava explicando isso para o ator Harrison Ford  (astro de Indiana Jones e Guerra nas Estrelas e um ambientalista ferrenho), que cuida do comitê de comunicação no conselho da Conservation International (organização não-governamental americana). Aí ele me disse que não havia problema algum com o nome. O projeto tinha o nome certo. Eu é que tinha o nome errado! “Você deveria se chamar Pavan Teeb e tudo seria perfeito”, me disse Ford.
Como as pessoas costumam encarar um banqueiro que se tornou ambientalista?Elas acham estranho, mas também reconfortante. Políticos e executivos não gostam de ONGS. Eles acreditam que há falta de experiência no que estas organizações dizem. Eles se vêem como o mundo real, os big boys. Como eu vim deste mundo real, nunca há constrangimento quando encontro empresários e corporações. Na verdade, minha experiência prévia na área de finanças e de banco me ajudou no trabalho do TEEB. Sou percebido com um nível diferente de credibilidade, talvez por falar sobre a economia verde com uma linguagem diferente. Mas o que falo não é nada novo, alguém já disse isso antes. Todavia, disseram numa linguagem acadêmica ou falaram para pessoas erradas ou não entenderam o que os outros precisam ouvir. Eu digo usando a mesma linguagem deles.
Este é o principal problema com as ONGS? Elas não falam a mesma língua que as corporações?As pessoas não dão o real crédito para as ONGS porque elas não são avaliadas da mesma maneira que as empresas. Avaliamos companhias baseados em desempenho, lucros. O que estas pessoas não entendem é que organizações acrescentam valor ao capital humano, social, ambiental. E não costumamos valorizar este tipo de capital da mesma maneira que o financeiro. Se os banqueiros criam capital financeiro são importantes, mas se criamos capital humano não somos. É um problema psicológico. A humanidade parou de pensar corretamente sobre valor, riqueza e capital. É preciso haver uma mudança de mentalidade.
É difícil fazer os outros ouvirem quando se fala sobre sustentabilidade?
Tem sido difícil, mas está ficando mais fácil. Esta é a boa notícia: as pessoas estão ouvindo. Acho que temos mais ouvidos realmente prestando atenção do que há cinco ou dez anos. No passado, esse tipo de mensagem acabava se dispersando. Hoje existem mais dados e informações sobre o assunto.
O discurso positivo é mais fácil de ser aceito?Sim. Eu trago soluções – nem sempre elas são positivas, posso sugerir, por exemplo, a taxação dos recursos naturais, empresários do setor petrolífero não vão gostar disso. Mas na economia há sempre ganhadores e perdedores. Por que alguns acham que devem sempre ganhar? Especialmente se estão gerando custos para a sociedade. Isso é uma almoço grátis. E não existe almoço grátis para sempre. Na verdade,externalidades corporativas são o maior almoço grátis na história do universo. E ele tem que acabar.
Como se deu a aproximação com as Nações Unidas?As Nações Unidas, e mais especificamente Achim Steiner (diretor executivo do Programa de Meio Ambiente da ONU – UNEP), gostaram do meu projeto TEEB, que comecei com a União Europeia. Eles se aproximaram de mim e me convenceram de que o TEEB só se tornaria realmente internacional, se fosse levado para a ONU. Concordei. Desta maneira o projeto poderá ser disseminado mais amplamente.
É mais complicado trabalhar numa organização como a ONU onde tantos atores estão envolvidos?Eu venho da Índia e lá estamos muito acostumados com burocracia. Quando trabalhei na Comunidade Europeia, todos meus amigos me alertaram sobre a burocracia que iria enfrentar. Então eu disse “sou indiano” (risos). Mas tenho que admitir, quando entrei na União Europeia é que realmente entendi o que é burocracia. E agora, nas Nações Unidas, descobri novamente o que é muita burocracia. É difícil, tudo caminha devagar, mas nossos problemas acabam sendo resolvidos. Não podemos esquecer que são mais de 190 países e qualquer grande decisão precisar envolver a todos.
Onde o senhor mora? Já se considera um cidadão do mundo?Moro em todos os lugares. Viajo constantemente. Me sinto muito confortável na Índia, Reino Unido e Suíça. E no Brasil também! Mas ainda preciso aprender português. Todavia, meu lar – minha família, é junto a meus pais em Nova Déli. Tenho outra casa também em New Haven, nos Estados Unidos, onde fica a Universidade Yale, mas em breve mudarei para Genebra, pois o TEEB está lá, a International Union for Conservation of Nature está lá …
Já conhece Genebra?Estudei lá, falo francês fluentemente e conheço muito bem o lugar. Para mim é muito familiar. Adoro uma marca de chocolate que só encontro lá, numa rede de supermercado local.
Ainda tem tempo de ficar perto da natureza?Tenho que me obrigar a ter tempo. Aprendi a mergulhar, fazer snorkling e tenho aproveitado muito isso. Adoro fazer longas caminhadas nas montanhas. Também aprendi a praticar Surya Namaskara (meditação indiana que saúda o sol), em que me posiciono em frente ao sol, faço diversas posições e treino a respiração. Mas nem sempre é fácil encontrar tempo. Hoje mesmo estou de pé desde às 5 da manhã porque tinha uma conference call com Genebra.
O que o faz prosseguir na luta pela sustentabilidade?O desejo pela mudança. Porque nós precisamos. É urgente. Finalmente as pessoas, empresas e governos estão escutando. É hora de agir. Qualquer ação ou esforço que eu fizer, as chances de mudança serão mais altas. É isso que me motiva.
O senhor tem duas filhas. Como pai, sente uma responsabilidade maior para mudar o mundo?Certamente. Se eu não fizesse o que faço, chegaria ao final da minha vida me sentindo culpado. Se eu não conhecesse o problema, não entendesse de economia, de ecossistemas, tudo bem. Mas eu conheço as respostas, tenho tempo e recursos, então não há desculpa. Preciso fazer o que faço. É como eu vejo.
Qual a sensação de ser considerado uma das vozes mais importantes na área de sustentabilidade?As pessoas me falam isso, mas acho que ainda não me dei conta. Não consigo me ver com um olhar externo. Todo dia acordo e tenho tantas coisas para fazer que nem sobra tempo para isso. Planejo minha agenda com seis meses de antecedência. Sinto-me afortunado por poder juntar todo meu conhecimento de física e finanças e entender melhor mudanças climáticas e economia dos ecossistemas. Tenho muita sorte!

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