sexta-feira, 9 de maio de 2014

Pausa para o chá


Pausa para o chá

Delicioso e repleto de benefícios para o organismo, o chá, quente ou mesmo frio, cai bem a qualquer hora - e nos convida a ter um momento de calma.

Foto: Alex Silva
O ritual começa na escolha do sabor. Frutas, flores, ervas, encorpado ou refrescante, o que combinar mais com o momento. Você coloca então a água para ferver, separa a caneca que te faz lembrar uma viagem ou alguém especial. Na temperatura ideal, a água misturada começa a mudar de cor e o aroma se desprende. Sente-se. Beba com calma. Preste atenção no mundo ao redor. Respire fundo. Aprecie cinco, dez ou quinze minutos de pausa no seu dia que podem mudar a forma como você vai viver as próximas horas.

Há séculos, o chá vem proporcionando instantes como esse para os mais diversos povos. Diferente do café, que tomamos em poucos goles, às vezes em pé no balcão antes de voltar ao trabalho, o chá convida à calma. O preparo é mais lento, a quantidade é maior. Ele não pode ser apressado.

Estatisticamente, trata-se da segunda bebida mais tomada no mundo, só perdendo para a água. No Ocidente, ela é ultrapassada pelo café com larga margem, mas é no Oriente, em nações populosas como China e Índia, que ela existe como um hábito diário.


Classificação

Pode parecer estranho para a maioria das pessoas, mas chás tradicionais no Brasil como mate, de camomila ou de carqueja, de têm apenas o nome. Oficialmente só pode ser chamado de o que for preparado com folhas da Camellia sinensis, planta originária da Ásia. A partir dela são produzidos quatro produtos principais: verde, branco, oolong e preto. A diferença entre eles é resultado do processo a que as folhas são submetidas. "Quando tiro uma folha da planta, ela perde água e murcha. Depois começa o processo de fermentação, gerado por suas próprias enzimas.

Se eu quiser brecar isso, tenho de aplicar calor", explica Carla Saueressig, proprietária da A Loja doChá, em São Paulo. Cada um teve sua fermentação natural interrompida em um ponto diferente. "O chá verde não teve fermentação. Se deixar o processo acontecer de 2% a 4%, eu vou ter o branco. Até 50%, eu tenho o oolong. E se eu deixar a fermentação total, tenho o preto."

Quanto maior a fermentação, mais "corpo" terá o chá, que Carla descreve como "um peso na língua". Como acontece com os vinhos, condições como solo e clima exercem influência sobre o sabor final da bebida. Para enriquecer ainda mais esse universo, as folhas fermentadas podem ser misturadas com flores, frutas ou ervas. Todos terão em comum a cafeína, que vem da Camellia sinensis.

As demais bebidas feitas com outras plantas, flores, ervas ou frutas são chamadas de infusões. Elas são as preferidas dos brasileiros, em especial o mate, infusão mais consumida no País.


Da China

Os primeiros registros sobre chá foram encontrados na China, onde era conhecido desde os primórdios da medicina. No clássico O Livro do Chá (Ed. Estação Liberdade), o estudioso japonês Okakura Kakuzo afirma que, para os chineses, a bebida era considerada valiosa por "amenizar o cansaço, deliciar a alma, fortalecer a vontade e reparar a visão". Para os taoístas, erm um dos ingredientes do elixir da imortalidade. No século 9, o chá foi levado ao Japão por um monge budista. No início, os religiosos tiravam proveito da cafeína para afastar o sono durante a meditação.

Com a difusão do zen-budismo, a bebida se popularizou e, mais tarde, o ato de prepará-la e servi-la foi sendo aperfeiçoado a ponto de dar origem a uma cerimônia. "Conosco o chá é transformado em uma religião da arte da vida. A bebida se tornou uma desculpa para a veneração da pureza e do refinamento", descreve Kakuzo.

As folhas chegaram à Europa em navios portugueses e holandeses no início do século 17, mas foram décadas até que os ingleses as descobrissem e se apaixonassem. A tradição do chá da tarde surgiu na aristocracia já no século 19 e, além de servir para alimentar a alta classe entre o almoço e o jantar, criou uma nova desculpa para organizar encontros sociais.

Ao Brasil, a bebida chegou só no início do século 19, mas veio tímida e permaneceu assim até hoje. "Somos um país produtor de café", diz Carla Saueressig. "Aqui o hábito de tomar chá ainda está ligado a doenças, como gripe ou dor, para as quais a avó sempre tem uma receita de infusão. Por isso associamos a uma ideia de desprazer; já o café se toma por prazer." Hoje, a moda é tomar chá verde para emagrecer. "Não se toma um chá para descobrir que gosto ele tem", lamenta.

Para Erika Kobayashi, jornalista pesquisadora de chás e cultura japonesa, a sensação de explorar os chás faz parte de uma experiência maior. Mais que uma oportunidade para degustar, percebendo as nuances dos blends, ele pode ser um pretexto para uma pausa de qualidade. "A cerimônia tradicional japonesa se baseia em um conceito que é `uma única vez, um único encontro'. Ela celebra o momento entre o anfitrião e o convidado, para o qual tudo é preparado de uma forma muito especial, e traz esse ensinamento de valorização do tempo presente", conta Erika. "Então o chá pode ser o catalisador de um encontro para você sentar e saborear a bebida, se propondo a estar plenamente presente, se ouvir e ouvir o outro e desfrutar ao máximo essa troca."

O olhar atento pode ser para o outro, com suas histórias e pensamentos, e também para você mesmo, sua vida e suas memórias. "A cerimônia do chá é feita toda em silêncio, e hoje em dia às vezes falta esse silêncio. É importante fazer um intervalo para perceber o que está acontecendo em volta", diz.

Quer tentar? Carla sugere que o jeito mais gostoso de entrar nesse mundo é ir a uma loja e cheirar. Ir sentindo os aromas e, quando encontrar um que agrade, experimente. "É assim que a pessoa vai escolher um chá por prazer." Com o hábito, o paladar se aprimora e o leque vai se abrindo.

Se for possível, prefira o a granel. Carla conta que o chá em sachês perde em qualidade, pois é feito para ser um produto mais econômico. "As pessoas às vezes acham que o chá a granel vai ser complicadíssimo, mas não é. Basta ter um infusor ou então bota o chá direto da água, deixa o tempo indicado, e depois é só passar por aquele coadorzinho que todo mundo tem", ensina. A quantidade a ser usada e o tempo de infusão variam (veja abaixo).

Como regra básica, capriche na água. "O ideal é usar a água mineral para não interferir no sabor, e nunca coloque nas folhas a água ainda fervente, para não queimar", aconselha Paula Simonsen, que introduziu a carta de chás no hotel Emiliano, em São Paulo. E atenção à temperatura na hora de servir. "Uma coisa que aprendi com as japonesas é medir a temperatura da água com a palma da mão, porque se você não consegue segurar a xícara, não vai conseguir beber o chá."
Juliana Zambelo adora escrever sobre comida e fez a reportagem "Frutas como você nunca viu", da ed. 127.


APROVEITE BEM O SEU CHÁ

Juan Vartanian, da loja Tea Connection (SP), e a especialista Carla Saueressig mostram o caminho para apreciar melhor a bebida.

Verde e branco
Para cada litro de água, use entre 11 e 13 gramas. A infusão deve ser feita de um a três minutos com a água a 90 graus (deixe ferver e então espere esfriar por cerca de dois minutos). Devem ser tomados puros e são indicados para o período da manhã ou da tarde.

Oolong e preto
Devem ser feitos com água recém-fervida e infusão de dois a cinco minutos, com 11 a 13 gramas por litro de água. Revitalizante, o chá preto pode ser tomado de manhã para estimular os sentidos. Os ingleses misturam com um gole de leite frio.

Infusões
Use água recém-fervida; o preparo leva de cinco a dez minutos. A quantidade varia de 5 a 25 gramas por litro de água, por isso deve ser indicada pelo vendedor. Por não conterem cafeína (com exceção da erva-mate), são boas para tomar à noite e relaxar.

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