sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

As Cidades Fantasma e as Cidades Invisíveis


As Cidades Fantasma e as Cidades Invisíveis

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imagem: Plataforma Urbana
À primeira vista, a foto acima parece ter sido tirada em Paris. Mas um olhar mais atento nota que há algo estranho na paisagem da capital francesa. De outros ângulos, fica ainda mais claro que essa não é a Cidade Luz.
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imagem: Plataforma Urbana

Essas imagens são de Tianducheng, uma réplica de Paris construída em 2006 na província chinesa de Zheijiang, que tem uma Torre Eiffel e um Arco do Triunfo próprios. Tianducheng foi concebida para uma população de aproximadamente 10 mil habitantes, mas não conseguiu atrair mais de 2 mil. Hoje é uma cidade fantasma sem lastro cultural, com escassa atividade econômica e prédios vazios por serem inacessíveis financeiramente a grande parte de seus moradores – ao lado de habitações informais.
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imagem: Plataforma Urbana
Essa é apenas uma das muitas cidades fantasma que foram construídas no mundo sem terem tido a capacidade de atrair moradores.
Mas por que essas cidades não deram certo?
O urbanista e sociólogo Henry Lefebvre enunciou o que deveria ser a regra de ouro do planejamento urbano: as funções determinam as formas, que determinam as estruturas. Nas cidades medievais, por exemplo, a função de proteção da terra criou estruturas muradas ao longo das manchas urbanas. Já nas cidades mercantilistas, as pequenas vielas desembocavam em largos estruturados para atender à função dos mercados de rua.
O que ocorreu após a Revolução Industrial foi uma aceleração do crescimento econômico em uma escala monstruosa, e o vetor de Lefebvre foi invertido. Em vez de as estruturas estarem a serviço das funções das pessoas, as pessoas passaram a ficar a serviço de estruturas. Estruturas de trabalho e de gestão política e das próprias cidades. Para manter o crescimento econômico industrial, projetos de hardware (ou seja, infraestrutura) foram criados sem pensar nos softwares (usos possíveis dessa infraestrutura).
O que acontece é que junto com as cidades fantasma, o mundo tem uma porção de cidades informais, invisíveis. Compare por exemplo, a imagem que o Google Maps mostra da favela de Kibera, uma das maiores do mundo, em Nairóbi, no Quênia:
Captura de Tela 2013-10-30 às 10.35.32
Com a imagem de satélite da mesma região:
Captura de Tela 2013-10-30 às 10.35.42
Essas cidades invisíveis criam margens periféricas à formalidade. Em geral não são contempladas nem pela economia nem pelo poder público formais – portanto criam os seus próprios. E, talvez o maior importante, são as áreas que mais crescem nas ondas de urbanização mundiais, de acordo com Mike Davis, autor de Planeta Favela.
O inchaço das cidades invisíveis quando há uma porção de cidades fantasma pelo mundo mostra a urgente adaptação do planejamento urbano para uma disciplina mais focada em processos e menos focada em estruturas – a exemplo do que tenta fazer o Department Planing Unit da University College of London. Mas uma das iniciativas mais interessantes que tenta contemplar as cidades invisíveis está fora da academia. O Slum Dwellers International está tentando mapear manchas urbanas informais pelo mundo, criar programas de gestão informais dessas cidades e plataformas de trocas de informações e experiências entre favelas. Em outras palavras: eles estão construindo um mapa-mundi em negativo, que joga luz e esses emaranhados urbanos que não enxergamos, porque estão invisíveis à formalidade. De acordo com o SDI, pode ser que as cidades invisíveis até o final do século 21 acumulem a maioria das pessoas do mundo. Para Davis, a mão de obra mundial já é majoritariamente informal. “Se o dinheiro que circula pelo planeta fosse lastreado no trabalho das pessoas, o ranking das economias seria invertido”, diz Davis.
É urgente a reinversão do vetor de Lefebvre à ordem direta. Em vez de formatar pessoas que caibam nas estruturas das cidades, precisamos recuperar a habilidade de planejar cidades que contemplem a diversidade das pessoas.
(as imagens de Tianducheng foram extraídas dessa reportagem publicada em Plataforma Urbana)

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