sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Um gelo polar

AQUECIMENTO GLOBAL

Um gelo polar

Uma massa de ar frio vinda do Ártico fez com que a temperatura caísse 30 graus em poucas horas nos Estados Unidos e no Canadá. São os efeitos das mudanças climáticas

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Raquel Beer e Victor Caputo Veja -
Robert S. Donovan/Creative Commons

Na terça-feira, 7, os nova-iorquinos repentinamente acordaram numa cidade a 15 graus negativos, 27 graus a menos do que no dia anterior. Foi a menor temperatura de Nova York nos últimos 118 anos, nesta época do ano. Mais ao norte do Estado de Nova York, na fronteira com a província canadense de Ontário, uma cena impressionante era vista na cidade de Niagara Falls: as águas das emblemáticas Cataratas do Niágara, a mais volumosa queda-d'água do Hemisfério Norte, estavam congeladas. Chicago, em Illinois, chegou a 27 graus negativos (até a Antártica tinha temperaturas mais elevadas naqueles dias). Na divisa entre os estados de Minnesota e Dakota do Norte a sensação térmica era de 50 graus negativos. Frio suficiente para alguém jogar, um copo de água fervente no ar e vê-la se transformar em partículas de gelo antes de tocar o chão. Ao menos 21 americanos morreram por hipotermia e outros 240 milhões foram afetados pelo clima gelado — lojas não abriram e muita gente nem saiu de casa durante a semana.

Tudo congelado, a pergunta que fica é a seguinte: será que o rigoroso inverno americano é prova da inexistência de um aquecimento global, fenômeno aclamado por muitos cientistas como o vilão de nosso século?

Dada a dissonância cognitiva provocada pelo choque entre a expressão "aquecimento global" e um frio danado como o da semana passada nos Estados Unidos e no Canadá, a expressão "mudança climática" tem ganhado cada vez mais espaço. Afinal, como explicar aquecimento global para um sujeito que está sentindo frio abaixo do registrado na superfície de Marte? Mudança climática, portanto, é o nome do jogo.

Nas últimas cinco décadas, a temperatura na Terra subiu 0,7 grau. Parece pouco, mas é o suficiente para desestabilizar o clima global. Enquanto algumas regiões estão mais quentes, como o Ártico e a Austrália, outras esfriaram, a exemplo dos Estados Unidos. O que ocorreu no centro e na costa leste americana é efeito de um fenômeno conhecido como polar vortex, ou vórtice polar. Trata-se de uma massa de ar que circula constantemente pelo Ártico, em um movimento circular, com ventos de 42 graus negativos e a 160 quilômetros por hora. Normalmente, a rotação da Terra fez com que o vórtice fique restrito ao Polo Norte. O aquecimento do Ártico, onde a temperatura subiu 2 graus em cinquenta anos (o triplo do aumento mundial), desestabilizou os ventos frios e fez com que eles rumassem para os Estados Unidos, derrubando a temperatura em até 30 graus em poucas horas, em vários estados.

A desestabilização do vórtice se deve ao fato de que o aquecimento do Ártico intensificou o derretimento do mar congelado que cobre a região. Entre julho e agosto de 2013, o degelo observado foi o dobro da média registrada desde 1969 pelos satélites da Nasa, a agência espacial americana. A extensão da parcela congelada do Oceano Ártico é hoje 25% menor do que a que se via há 45 anos, e a água também está 3 graus mais quente. Ocorre que o contato da superfície maior de água aquecida com o ar, que é mais gelado, acaba por esquentá-lo. Como os ventos mais quentes são menos densos que os mais frios, eles sobem na atmosfera, desestabilizando o vórtice polar. Foi esse ar (quente para os padrões do Ártico, mas extremamente gelado para os dos Estados Unidos), com temperatura de dezenas de graus abaixo de zero, que rumou em direção à costa leste americana. Disse a VEJA o climatologista americano David Robinson, da Universidade Rutgers, em Nova Jersey: "Esse evento tem acontecido com frequência nas últimas décadas, mas desta vez foi mais grave por ter ocorrido um deslocamento muito rápido do vórtice em direção ao restante do Hemisfério Norte. Não houve tempo para que os ventos se aquecessem no caminho, o que criou o inverno extremamente rigoroso. A duração disso é, porém, curta: em uma semana as temperaturas já devem voltar para o patamar típico de um mês de janeiro".

A perturbação do vórtice polar é cada vez mais frequente. No ano passado, os mesmos ventos frios rumaram em direção à Inglaterra, que sofreu seu inverno mais rigoroso dos últimos sessenta anos. O problema já afetou os Estados Unidos quatro vezes nos anos 80, e a mais recente se deu em 1996. Na última versão do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão da ONU, publicada no fim do ano passado, há um alerta: até 2040, a camada congelada na superfície do Oceano Ártico deve desaparecer totalmente durante a primavera e o verão. Isso deixará o oceano exposto, afetando as mudanças climáticas globais.

Ao mesmo tempo em que temperaturas congelantes castigam os Estados Unidos, outros sinais de reviravoltas climáticas são vistos ao redor do mundo. Os termômetros na Austrália bateram a marca de 50 graus na semana passada, recorde dos últimos cinquenta anos. Uma onda de calor, a mais severa em 100 anos, atingiu Buenos Aires, na Argentina, na primeira semana deste mês. No Brasil, altas temperaturas foram registradas neste verão: a sensação térmica no Rio de Janeiro chegou a 50 graus. As causas das mudanças climáticas, porém, não são claras. Segundo o IPCC, é de 95% a probabilidade de que o aquecimento seja fruto de ações humanas, principalmente daqueima de combustíveis fósseis. Por outro lado, cientistas apelidados de "céticos" afirmam que o homem não é responsável pelo aumento das temperaturas. Segundo eles, há ciclos naturais que modificam o clima terrestre em decorrência de diversos fenômenos, como a intensificação da atividade do Sol, cujas explosões na superfície têm sido mais frequentes e potentes. Se o motivo não é evidente, a consequência é, sim: o clima da Terra está se transformando
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