quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Que mistura: as histórias curiosas da química

Que mistura: as histórias curiosas da química

Conheça as histórias mais curiosas da química e saiba como algumas substâncias foram inventadas, como funcionam e como podemos usá-las melhor.

por Rafael Kenski / Fernando Gonsales / Marcio Penna

Reprodução: AMC
Tudo é composto por substâncias químicas. O ser humano, por exemplo, é um amontoado de carbono, oxigênio, hidrogênio e outros 18 elementos. Assim como nós, todos os objetos são feitos de átomos que interagem entre si e formam uma infinidade de substâncias com propriedades diferentes. “É impossível ignorar a química porque ela está presente em todas as nossas atividades, das comidas que fazemos até o banho que tomamos”, afirma o químico Joe Schwarcz, da Universidade McGill, Canadá. Manipulando os diferentes elementos, o homem consegue – muitas vezes por acaso – formular remédios, melhorar alimentos e descobrir como a natureza funciona. Também faz coisas fantásticas como transformar pessoas em zumbis ou urina em palitos de fósforo. Nas páginas a seguir, você verá do que a química é capaz e alguns dos capítulos mais curiosos, engraçados ou úteis que essa ciência nos trouxe.
A ciência vai ao banheiro
Em 1669, o alquimista alemão Hennig Brandt começou a destilar urina humana. Ele tinha esperança de que o líquido fosse um remédio capaz de curar todas as enfermidades e que, por ser amarelo, pudesse conter ouro. Ferveu a urina e a deixou condensar, mas é claro que não encontrou nenhum metal precioso. Conseguiu apenas uma pasta branca que, quando esquentada, entrava em combustão. Brandt havia descoberto o elemento fósforo.
A urina é uma combinação de vários detritos do corpo. Entre eles estão substâncias orgânicas e fosfatos – compostos que pegam fogo facilmente quando em contato com carbono. Ao aquecer, as substâncias orgânicas se transformaram em carvão – que nada mais é do que carbono – e fizeram a mistura pegar fogo. Brandt percebeu que a descoberta era importante, mas ainda foi preciso muitas outras pesquisas antes que ela pudesse ter alguma função prática. Os palitos atuais, por exemplo, são feitos de uma massa com clorato de potássio, que reage com o fósforo presente na lixa da caixa e inicia o fogo.
A experiência de Brandt não foi, no entanto, a primeira a utilizar urina.
Essa substância é há milênios misturada a tintas para que elas consigam “pegar” melhor em tecidos e tornar as cores mais vivas. Algumas mulheres no Império Romano, por exemplo, pintavam o cabelo de amarelo com um extrato de folhas de verbasco misturado com urina. Essa propriedade começou a intrigar os cientistas no século XIX, quando foi preciso criar substâncias sintéticas que tivessem o mesmo efeito (afinal, não era fácil transportar centenas de barris de urina até as tinturarias). As pesquisas cumpriram seu objetivo e ainda trouxeram outros benefícios. Em uma das experiências, o químico alemão Adolph von Baeyer transformou o ácido úrico – um dos componentes da urina – em um novo composto, que ele chamou de ácido barbitúrico. A descoberta de Baeyer deu origem a uma série de derivados, os barbitúricos, que fizeram sucesso durante muito tempo como remédio para insônia e até hoje são usados como anestésicos em cirurgias.
A urina foi responsável por uma revolução ainda maior na química. Até o século XIX, acreditava-se que todos os materiais se dividiam em duas categorias: os inorgânicos, como rochas e metais, e os orgânicos, que eram produzidas por seres vivos e, segundo a crença da época, possuíam forças vitais que os tornavam impossíveis de serem copiados. Essa idéia caiu por terra em 1828, quando o químico alemão Friedrich Wohler misturou duas substâncias inorgânicas: cianato de prata e cloreto de amônio. A experiência resultou em cristais de uréia, um dos principais componentes da urina e que, por ser produzida por animais, era considerada uma substância orgânica. Wohler conseguiu assim mostrar que não existem diferenças entre substâncias sintéticas e naturais. A teoria da “força vital” estava derrubada, o que abriu a porta para a síntese de outras substâncias orgânicas, como vitaminas e fertilizantes. Lembre-se disso na próxima vez que for ao banheiro.
Dos celeiros ao campo de guerra
Em algum momento entre os séculos IX e X, um grupo de chineses tentava descobrir o segredo da imortalidade. Eles acreditavam que era possível atingi-la quando os princípios opostos da filosofia taoísta Yin e Yang entrassem em equilíbrio no corpo. Substâncias como o carvão e o enxofre eram tidos como ricos em Yang, enquanto o nitrato de potássio, também chamado de salitre, possuía características Yin. Não se sabe até que ponto a lenda é verdadeira, mas o produto que resultou da mistura chinesa se tornou famoso. Ao juntar essas três substâncias, o salitre fornece oxigênio para que os outros dois queimem de forma explosiva. Estava inventada a pólvora.
Não se sabe como a substância chegou à Europa, mas no século XIII já existiam estudos de como se poderia montar a mistura perfeita. Depois de muitas pesquisas, chegou-se à fórmula ideal, com 75% de salitre, 15% de carvão e 10% de enxofre.
O problema é que o principal ingrediente só era encontrado em minas na Índia e na Espanha. Os exércitos do século XVIII, que dependiam cada vez mais da pólvora, precisavam encontrar outras fontes de salitre. Por sorte, a solução estava em qualquer celeiro.
Cientistas descobriram que um pó branco que se incrustava nas paredes dos abrigos de animais era salitre, produzido pela decomposição da matéria orgânica ali presente. Surgiram então vários esquemas para produzir a substância preciosa, como depósitos repletos de lixo e esterco, molhados com urina, que eram deixados para apodrecer. Napoleão chegou a fazer uma lei ordenando que as pessoas urinassem nesses depósitos e, na Prússia, fazendeiros eram obrigados a empilhar dejetos orgânicos e guardá-los para a guerra. Essa sujeira só terminou no século XX, quando os alemães inventaram o salitre sintético.
Terror químico
A crença de que pessoas podem ser transformadas em zumbis – entidades sem alma trazidas de volta à vida depois de mortas – é muito difundida entre os praticantes do vodu no Haiti. Mais assustadores do que esses seres, no entanto, é o fato de que a química pode explicar o fenômeno.
Em 1962, o haitiano Clairvius Narcisse morreu e foi enterrado, mas reapareceu vivo 18 anos depois. Afirmou que havia tomado uma poção que o fez morrer, mas foi depois ressuscitado e forçado a trabalhar como escravo em plantações, onde era mantido sob efeito de drogas. O antropólogo americano Wade Davis investigou o caso e analisou algumas dessas “poções de zumbi” feitas pelos sacerdotes da região. Percebeu que o único ingrediente comum a todas elas era um tipo específico de baiacu. Esse peixe possui no fígado e nos órgãos sexuais um potente veneno, chamado tetrodoxina, que paralisa o sistema nervoso central e pode fazer as pessoas parecerem mortas. Ele também analisou a substância usada para manter os zumbis em estado de estupefação e percebeu que eles eram feitos da Datura stramonium, uma planta com fortes substâncias psicoativas. A imagem de uma pessoa que ressuscita para andar tonta e cambaleante pelas plantações não era, portanto, tão fora de propósito.
Ninguém sabe se a descoberta de Davis é a resposta definitiva ao mistério. Por via das dúvidas, o código penal do Haiti determina que fazer uma pessoa parecer morta a ponto de ela ser enterrada é considerado assassinato, não importa o que aconteça depois.
O ovo perfeito
Nenhum lugar da casa se parece tanto com um laboratório de química quanto a cozinha, onde diversos ingredientes são misturados, queimados, fermentados e submetidos a processos dignos de experiências científicas. Assim como no laboratório, ter noções de química é essencial para que o cozinheiro consiga preparar corretamente os pratos, até os mais simples. Veja, por exemplo, como levar à perfeição a arte de cozinhar ovos.
A clara possui água, gordura e colesterol. Também tem muitas proteínas que mudam de forma quando aquecidas. Elas se desenrolam e deixam expostas regiões na superfície que as ligam a outras proteínas, formando um emaranhado que transforma a clara no material sólido e branco que conhecemos. O ovo também tem bolhas de ar para que o filhote comece a respirar. Elas se tornam um problema quando cozinhamos porque, além de deixar o fundo do ovo chato, ainda podem aumentar a pressão interna e fazê-lo rachar. Para resolver o problema, basta furar o fundo da casca com uma agulha antes de cozinhar e colocar sal ou limão na água. Os dois ingredientes conseguem tampar o buraco porque agem sobre a clara da mesma forma que o calor: fazem as proteínas se juntarem e endurecerem antes que o ovo vaze na panela.
Há também outras maneiras pelas quais o ovo pode explodir. A casca é irregular e, ao aquecer, cada uma das partes começa a se expandir de forma diferente, o que pode levar a rachaduras. É preciso controlar a forma como ele esquenta para que isso não aconteça. Coloque o ovo em água fria, aqueça até ferver, reduza o fogo por mais 10 minutos e jogue em outro recipiente com água fria. Esse último procedimento também ajuda a eliminar aquela substância esverdeada que se forma em volta da gema. Ela surge quando o sulfeto de hidrogênio presente na clara esquenta e se expande.
O aumento de pressão o faz migrar para as regiões mais frias do ovo, como a gema, onde ele reage com o ferro e forma sulfeto de ferro, o material verde. Quando jogamos o ovo em água fria, a casca diminui de temperatura e atrai o sulfeto para longe da gema.
Finalmente, é bom saber que, quanto mais velho um ovo, mais fácil ele descasca. Ao envelhecer, ele se torna menos ácido, o que faz com que a membrana interna da casca se enfraqueça e não grude na parte branca.
É recomendável deixar os ovos ao menos uma semana na geladeira, com cuidado para que eles não estraguem.
Seguindo todas as dicas, o ovo terá formato, aparência e gosto perfeitos.
Pérolas comestíveis
No século I a.C., a rainha egípcia Cleópatra apostou com seu amante, o general romano Marco Antônio, que ela poderia dar o jantar mais caro da história. Na hora marcada, tudo o que havia sobre a mesa era uma taça cheia de vinagre. Cleópatra retirou cuidadosamente seus brincos de pérolas, esmagou-os e jogou os restos na vasilha, onde se dissolveram. A rainha egípcia não só ganhou a aposta como inventou um novo produto: os suplementos de cálcio.
Pérolas são compostas de carbonato de cálcio, uma substância que pode ser encontrada em muitas das pílulas vitamínicas vendidas nas farmácias. O cálcio é o mineral mais abundante no corpo humano. Ele é necessário na renovação dos ossos, na coagulação do sangue, no funcionamento dos tecidos nervosos e na contração dos músculos. Todas essas funções são prejudicadas pela falta desse mineral, mas uma de suas conseqüências mais graves é a osteoporose, doença em que os ossos se enfraquecem. Repor cálcio é importante, não importa a fonte: pode ser desde pérolas até pedaços de giz. É mais fácil, no entanto, ingerir em laticínios, vegetais como o brócolis e sucos.
Os benefícios desse mineral são tantos que há quem acredite que ele pode até diminuir a violência. O cálcio dificulta a absorção de ferro e manganês pelo cérebro. Um estudo feito no Dartmouth College, Estados Unidos, afirmou que altos índices desses elementos no sangue aumentam as chances de a pessoa cometer roubos e assassinatos. É evidente que a solução para o crime não é tão simples, mas se a hipótese for mesmo comprovada, alguns litros de leite poderão ajudar a diminuir a violência em nossas cidades. Cada comida é uma reunião de químicos que estimulam de forma diferente o olfato e o paladar. São eles que, junto à textura que sentimos ao mastigar, dão a cada alimento seu gosto único. No queijo camembert, por exemplo, grande parte do cheiro e do sabor vêm do ácido butírico e do metil-mercaptan que ele libera.
Esses compostos são, curiosamente, encontrados também no insuportável cheiro que o pé humano emite em seus piores momentos. O motivo é que tanto o queijo quanto os calçados fedorentos estão infectados de fungos. Eles foram parar nos queijos por acaso e continuam lá até hoje porque, apesar do cheiro, transformam proteínas e gorduras nas diversas substâncias que dão gosto a esses petiscos.
A origem do sabor
Todos os queijos são feitos de modo parecido. O leite é aquecido com substâncias capazes de fazê-lo coagular (como o coalho), depois secado e deixado para envelhecer. Originalmente, alguns deles – que hoje recebem nomes como brie, camembert e roquefort – eram guardados em cavernas, onde sofriam a ação dos fungos que se proliferam nesses lugares. Cada região possui espécies diferentes desses microorganismos, que agem de modo distinto sobre os alimentos que estão lá. As cavernas de Roquefort, na França, são infestadas pelo Penicillium roquefortii, o fungo que dá a esse queijo seu gosto único. Atualmente, o efeito desses microorganismos se tornou tão desejado que eles passaram a ser exportados de suas cavernas originais para diversas partes do mundo, dando origem a “roqueforts” feitos em diversos países.
Mas nenhuma discussão sobre sabor é completa se não falarmos do chocolate. A fascinação que ele causa é tão grande que, segundo uma pesquisa do Instituto Gallup, a maioria das mulheres britânicas deixaria de fazer sexo em troca de alguns bombons.
Vários motivos contribuem para que o chocolate seja tão desejado.
O primeiro é que ele possui anandamida, uma substância que o cérebro produz para sinalizar prazer e que é quimicamente semelhante ao THC, o princípio ativo da maconha. Como a quantidade é muito pequena – seria preciso comer quilos para sentir algum efeito – alguns cientistas defendem que o chocolate também estimule a liberação de endorfinas, substâncias sintetizadas pelo cérebro e que podem levar a efeitos similares aos do ópio. Uma outra explicação é que os bombons são ricos em carboidratos, que aumentam no cérebro a quantidade de serotonina, uma substância antidepressiva.
Apesar de toda essa química cerebral, o motivo mais provável para tanta fascinação é a combinação exata de gorduras, açúcares e outros agentes de sabor que derretem na temperatura exata da boca. Dessa forma, ele consegue estimular como poucos o olfato, o paladar e a sensação de mastigar.
O nascimento do plástico
Os plásticos, que hoje estão presentes em centenas de objetos à nossa volta, foram inventados por causa dos jogos de bilhar. No século XIX, esse passatempo era uma das principais atrações entre as poucas opções de lazer da época. Ele havia se tornado tão popular que já trazia problemas: o único material capaz de produzir bolas de bilhar era o marfim, retirado dos dentes de elefantes, que estavam cada vez mais raros. Na tentativa de resolver o problema, uma companhia americana ofereceu um prêmio de 10000 dólares – na época, uma quantia gigantesca – para quem conseguisse produzir bolas sintéticas.
O americano John Hyatt foi uma das pessoas a tentar a sorte no concurso. Há uma lenda de que ele cortou seu dedo em uma experiência e tentou curá-lo com colódio, um líquido feito de nitrato de celulose que tornava as feridas impermeáveis. Só que o vidro de Hyatt havia vazado e virado uma massa sólida. Ele analisou a substância e, depois de anos de pesquisa, descobriu que uma mistura de colódio com cânfora, submetida a temperatura e pressão altas, transformava-se em uma substância moldável que ele chamou de celulóide. Foi o primeiro plástico.
A descoberta deu a Hyatt o prêmio do concurso. O material também foi utilizado em talheres, brinquedos, escovas, colares, instrumentos musicais e em centenas de outros produtos domésticos, além de dar origem aos primeiros negativos utilizados no cinema. Ele tinha o grave problema de pegar fogo facilmente, o que o levou a ser substituído por outros plásticos mais seguros e eficientes. Curiosamente, nunca funcionou de forma perfeita em bolas de bilhar, mas está presente até hoje nos salões de jogos: não há material melhor para fazer bolas de pingue-pongue do que o celulóide.
Falando pelo nariz
Os seres humanos conseguem transmitir mensagens por sinais, gestos e palavras. Para muitos espécies, no entanto, utilizar químicos é a principal forma de comunicação. Essas substâncias – chamadas de feromônios – podem alertar para situações de perigo, demarcar territórios, aproximar a fêmea de um macho e indicar um caminho a ser seguido. “Ao longo da evolução, é relativamente fácil para as espécies adaptarem o maquinário celular à produção de químicos para comunicação, guerra e outros fins”, afirma Wiliam Agosta, autor do livro sobre bioquímica Thieves, Deceivers and Killers (Ladrões, Impostores e Assassinos, inédito no Brasil).
Muitas formigas identificam outro membro de seu grupo tocando suas antenas e trocando químicos com ele. Há também espécies como a americana Protomognathus americanus, que utiliza químicos para atacar e escravizar outra formiga, a Leptothorax curvispinosus. Elas organizam batalhas nas quais conseguem facilmente a vitória graças a uma toxina que carregam. Outra estratégia é espalhar o cheiro de um predador pelo território inimigo para que eles saiam correndo. Uma vez que os adultos foram derrotados, as invasoras vão até onde estão os filhotes dos adversários e seqüestram todos os ovos e pupas que conseguem. Serão essas formigas que, ao crescer, trarão comida para o formigueiro e farão todos os trabalhos. Sem os escravos, a espécie de Protomognathus não conseguiria sobreviver.
Plantas também possuem um enorme arsenal químico para lidar com animais. A nicotina, por exemplo, é a defesa exclusiva do tabaco e de seus semelhantes para evitar ataques de herbívoros. Existem também diversas substâncias utilizadas para atrair bichos que transportam pólen entre as plantas e permitem que elas se reproduzam. A principal delas é o néctar – uma mistura de água, açúcar, aminoácidos e outros nutrientes. Abelhas o utilizam para fazer o mel, mas precisam viajar mais de 37000 vezes entre a colméia e a planta para produzir 1 quilo desse doce. Além das abelhas, existem mais de 289000 espécies de insetos que polinizam plantas, cada uma a seu modo. “Estamos ainda começando a entender como os químicos determinam as relações entre os diversos seres vivos”, diz Agosta.

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