quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Quando comecei minha horta urbana

Quando comecei minha horta urbana

Nosso repórter mergulha no universo da agricultura nas cidades e descobre a importância do contato com a terra.


PORDanilo Sanches/ Fotografia: Alex Silva/ Lettering: Caetano Calonimo

Edição 132


Quando aluguei o apartamento, as duas floreiras já estavam na janela. Decidi plantar ali, mas, por muito tempo, elas serviram só para juntar água da chuva e aparar bitucas de cigarro dos amigos. Eu sabia que, do ponto de vista da sustentabilidade, uma horta urbana era "bastante legal", mas ainda não tinha entendido o poder de plantar em casa. Ia adiando o projeto, até o dia em que parei para me esconder da chuva em uma loja de jardinagem e aproveitei para comprar dois pacotinhos de sementes.

Lia as letras grandes nos pacotinhos leves: "manjericão" e "hortelã". Acostumado ao vale-quanto-pesa, me peguei descrente. Procurei data de validade, olhei desconfiado para o velhinho que talvez tivesse me surrupiado R$ 2... Mas não. Nada parecia errado.

Eu tinha uma meta: plantaria manjericão para as macarronadas e hortelã para os mojitos, e, como Scarlett O'Hara, jamais sentiria fome de novo. Nada me demoveria daquela ideia. A não ser chegar em casa e descobrir que faltava algo fundamental: a terra. "Paciência", me diziam os pacotinhos" - um deles aberto, pois não aguentei a curiosidade de saber como eram as sementes de hortelã. No fim, tudo deu certo: na semana seguinte, comprei um saco com dez quilos de terra cheirosa, que acabaram esparramados no tapete da sala, antes de conseguir encher as floreiras.

Plantei. Plantei exatamente como sugeriam as instruções. Levei a sério a história de regar e fui além, batendo um papo com as floreiras. No entanto, nada de as plantinhas germinarem. Comecei a ficar apreensivo. Me lembrei do feijão no chumaço de algodão que plantei na infância: quanta eficiência! Uma semana e já era uma miniatura do pé-de-feijão da história. Eu tinha calculado que a terra, sendo mais fértil que o algodão, e a hortelã, sendo menor que o feijão, já me dariam umas folhazinhas apontando na terra nos primeiros dez dias. Mas não. "Tem que morrer pra germinar", dizia o Gil. Me peguei confundindo a letra da música e achando que as ervas só brotariam depois que eu estivesse morto.Não era para tanto. Finalmente elas brotaram, totalmente desiguais, dando uma aula avançada de "quem manda aqui é a natureza". Humilde, tomei a lição e segui regando. Plantei umas flores para animar a outra ponta da janela e me distrair enquanto aprendia algo sobre amor incondicional: era preciso regar sem cobrar das plantas que florescessem. Regar o invisível.


As pessoas e as plantas

Comecei, então, a fase dois do meu aprendizado. A convite de um amigo querido e muito sábio, fui passar o Natal em um sítio de produção de alimentos orgânicos na beira do Rio Pardo, em Caconde, interior de SP. Não quis dar muito na cara, mas me sentia como o Daniel San de Karatê Kid, totalmente despreparado, querendo aprender a colher o abacaxi, organizar a composteira, cuidar da agrofloresta e do jardim de ervas, tudo ao mesmo tempo e sem a menor intimidade com as ferramentas.

Em volta da mesa, esperando o jantar, agradecemos de coração honesto pela comida fresca que estava sendo servida. Me lembrei das palavras de Maria Regina Godinho, que forma turmas de agricultura urbana desde 2007, em São Paulo: "é como se a pessoa precisasse se abrir para o carinho que é lidar com a terra". Até então, eu não tinha me dado conta de que aqueles pacotinhos leves que comprei do velhinho, naquele dia chuvoso, estavam cheios de carinho. Agora, eu me sentia o Marco Polo da agricultura sustentável, incumbido de levar à cidade um pouco do cheiro do Rio Pardo que ficou no meu All Star. Quando cheguei em casa e fui plantar na floreira a semente da maçã que acabara de comer, um espanto: tinha nascido, sozinho, um pé de couve ali.

E então já era o ano novo, e os jornais traziam a notícia de que agricultores urbanos estavam pleiteando que o novo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, incluísse no Plano de Metas que os espaços urbanos fossem usados para abrigar hortas comunitárias e composteiras. A demanda partiu de um movimento de pessoas que acha que os espaços públicos devem servir, também, para plantar.

Eram grupos como o dos Hortelões Urbanos, que colheu mais de 100 kg de chuchu em uma horta na Praça das Corujas, na Vila Beatriz, em São Paulo. O grupo tem outras iniciativas, como a dos Ciclistas, na Avenida Paulista, e a da Vila Pompéia. Segundo Claudia Visoni, uma das fundadoras dos Hortelões, a força dessas iniciativas é tanta que, se todos os espaços urbanos ociosos da capital paulista fossem usados para o cultivo, 40% da demanda alimentar da cidade seria suprida pela produção interna.

Pesquisando por aí, fui ver que o mundo todo já estava atento para essas possibilidades. Vi iniciativas como os Seeds Savers ("salvadores de sementes"), nos Estados Unidos, que criam bancos de sementes para salvar a biodiversidade. Vi agricultores urbanos na Espanha plantando nos espaços que ainda ousavam ser cinza, e iniciativas famosas como a do Incredible Edible, na cidade de Todmorden, no Reino Unido, Horta pontual, nos encontros ao meio-dia do terceiro domingo de cada mês.

Cheguei a achar que estivesse atrasado para a revolução, mas a Letícia me convenceu do contrário. Ela se apresentou como Letícia Momesso e disse que fazia jardins que cabem em qualquer lugar. Quando cheguei na Peperômia "empresa que ela criou para abrigar o projeto", quem me recebeu foi o Jorge Ben Jor, no rádio: "A terra é seu nutriz receptáculo. Sua força ou potência está inteira, se ela é convertida em terra".

O plano de Letícia é aproximar pessoas e plantas e, a partir desta relação, retomar uma forma saudável de viver nas cidades. "Principalmente em São Paulo", disse, "onde as pessoas carecem de saúde e de contato com a terra". Com as oficinas de jardins, o projeto prova que, para plantar, basta querer. Vi jardins plantados em sofás e até em pingentes de colar. E aprendi: plantar une as pessoas. Com mais hortas, os laços comunitários correriam sério risco de se fortalecer.


A seu tempo

Lá em casa, meus pés de hortelã e manjericão já renderam belas receitas. O pé de maçã está pequeno ainda e tenho tempo antes de me descabelar a respeito do que fazer com ele. A flor morreu e a couve eu não tive coragem de comer. Estou esperando a visita de um amigo que me disse para parar de onda e comê- la logo - farei para ele um jantar com couve refogada.

Agora, estou mais atento à sazonalidade dos alimentos. Faz diferença saber que em tal época a cenoura cresceu menos, mas a batata está mais bonita. A gente vê que o meio está oferecendo aquele alimento prioritariamente. E que nosso corpo, harmonizado com isso, vai trabalhar melhor. No fim, é como diz a Thereza Peric no livro Se o Jardim Voasse Não Seria Jardim, Seria Avião: "basta uma só flor... e já é jardim". Basta um manjericão, e já é horta. Na minha janela.

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