domingo, 11 de agosto de 2013

Prefeitura quer remover mais de 150 capivaras que vivem na orla da Lagoa da Pampulha


À BEIRA DA LAGOA

Prefeitura quer remover mais de 150 capivaras que vivem na orla da Lagoa da Pampulha

Pesquisa mostra que 95% dos frequentadores são a favor da manutenção dos roedores por lá Cedê Silva VejaBH - 17/07/2013


Márcio Cabral de Moura/Creative Commons

Linda De Volder/Creative Commons
Quando o zoológico de Belo Horizonte estava em construção, em 1953, a obra de dois lagos interligados dentro do recinto que seria destinado às capivaras, entre outros animais, chamou a atenção do prefeito Américo René Giannetti (1896-1954). Ele fez questão de destacar o projeto no relatório que escreveu naquele ano sobre os progressos que chegavam à cidade. Giannetti não podia prever que não seria preciso passar pelos portões do nosso zoo para ver os maiores roedores do mundo. Não se sabe ao certo quando eles chegaram por ali, provavelmente seguindo o curso d’água, mas o fato é que várias famílias deles escolheram viver às margens da Lagoa da Pampulha, onde passeiam sossegadas e livremente pelos jardins criados pelo paisagista Burle Marx (1909-1994). Ao longo dos anos, os bichos transformaram-se em mais uma atração para crianças e adultos que visitam a região. Agora, porém, as capivaras - que se alimentam das plantas dos jardins - estão sendo vistas como ameaça ao reconhecimento do Conjunto Arquitetônico da Pampulha como patrimônio cultural da humanidade. E como um risco à saúde pública, já que são hospedeiras do carrapato-estrela, transmissor da bactéria Rickettsia rickettsii, causadora da febre maculosa, que pode ser fatal para os humanos.

“A população de capivaras da Pampulha cresce de maneira vertiginosa”, afirma o vice-prefeito, Délio Malheiros (PV), que acumula o cargo de secretário do Meio Ambiente. “Temos de trabalhar preventivamente.” A prefeitura conseguiu contar 170 exemplares, mas diz que o número pode ser até maior. Na terça-feira, 9, Malheiros se reuniu com especialistas do Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente para discutir um plano de captura dos animais. A prefeitura pretende lançar, em agosto, um edital para contratar o serviço de manejo. Serão destinados cerca de 350 mil reais à empresa vencedora para trabalhar por um ano, a partir de setembro. A administração municipal já recorreu ao expediente antes, mas nunca em uma escala tão grande. Desta vez, a ideia é retirar 90% dos animais de lá. “Vamos deixar um número reduzido, porque a capivara já faz parte da lagoa”, adianta Malheiros.

O problema, que é antigo, tomou nova dimensão por causa da restauração dos cinco jardins de Burle Marx que integram o Conjunto Arquitetônico da Pampulha, um projeto de 4 milhões de reais. Dois deles, o do Museu de Arte e o da Casa do Baile, foram entregues no dia 2. Os outros três - da Casa Kubitschek, da Igreja de São Francisco de Assis e da Praça Dalva Simão - devem ficar prontos até o fim do ano. A recuperação dos jardins tombados é uma das ações da prefeitura para reforçar a candidatura da Pampulha, lançada em 1996 na Unesco - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, ao título de patrimônio da humanidade, como a cidade de Ouro Preto. O plano, porém, está em risco por causa das capivaras. As acácias, as yucas, os agaves e o capim-dos-pampas escolhidos a dedo pelo mestre do paisagismo poderão não durar muito se nada for feito para conter a voracidade dos animais. Como medida paliativa, a prefeitura foi obrigada a instalar uma cerca provisória no jardim do Museu de Arte. O mesmo será feito, nos próximos dias, na Casa do Baile.

A discussão ficou ainda mais inflamada depois da suspeita de que o gerente de tecnologia Alysson Ribeiro de Miranda, de 42 anos, que morreu no dia 1º, contraiufebre maculosa ao ser picado por um carrapato no Parque Ecológico da Pampulha, local com a maior concentração de capivaras. Embora os exames tenham descartado a hipótese, o episódio serviu para reforçar o discurso de especialistas que defendem a retirada dos roedores. “Por sorte, não tivemos ainda caso de febre maculosa. Mas será que vale a pena o risco de acontecer aqui o que houve em Campinas?”, indaga o veterinário Ro­má­rio Cerqueira Leite, professor de doenças parasitárias da UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais. Leite refere-se à morte de três funcionários de um parque na cidade paulista por febre maculosa, entre 2006 e 2008. Depois desses casos, vinte capivaras que viviam por lá foram abatidas. O professor da UFMG é contra a ideia da prefeitura de preservar 10% dos animais na lagoa. Segundo ele, isso seria perpetuar o risco. “Todas as capivaras têm carrapato. As que ficarem também terão.” Leite ressalta ainda que a lagoa é um local sem predadores, como a onça e a sucuri, cheio de grama no entorno para ser comida e com uma ilha no meio que serve de abrigo. “O crescimento da população fica anormal”, explica o veterinário. A fêmea pode chegar a ter duas gestações por ano, com até oito filhotes por vez.

A retirada dos animais virou assunto na cidade. Apimentando a polêmica, o radialista Eduardo Costa chegou a sugerir na terça 9, durante o Jornal da Itatiaia, um programa matutino com audiência média de 156 mil ouvintes, que a caça fosse liberada. “A carne é uma delícia”, disse o popular apresentador da emissora. Com os mesmos cortes do porco, as capivaras podem ser encontradas em alguns restaurantes. O bar Rima dos Sabores, no Prado, vende o pernil do bicho por 250 reais. Como não está no cardápio, o prato para seis pessoas deve ser encomendado com antecedência. “Para consumo, as capivaras são abatidas com idade entre 10 e 18 meses”, informa o zootecnista Fábio Hosken, coautor do livro Criação de Capivaras. “Mas não é fácil encontrar no mercado.” O Ibama proíbe o abate dos animais capturados, embora permita aos criadores credenciados matar os filhotes que vierem a nascer deles.

Apesar dos argumentos a favor da retirada das capivaras da lagoa, há quem defenda a manutenção dos roedores que viraram mascotes da região. “É uma das poucas formas de contato com a natureza acessíveis para todo mundo”, diz a bióloga Thaís Morcatty. Ela participou de uma pesquisa sobre a percepção dos frequentadores da Pampulha em relação a esses animais, que foi realizada por alunos do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG e será publicada na revista científica MG.Biota. Segundo o levantamento, 95% dos entrevistados são a favor de sua permanência na orla da lagoa. Para 90% deles, os peludos são um atrativo turístico. “O potencial de risco à saúde causado pela poluiçãoda lagoa é muito maior que o da capivara”, pondera Thaís. Na noite da última terça,ambientalistas se reuniram na esquina entre as avenidas Pasteur e Brasil, no Santa Efigênia, para um protesto em forma de “aula aberta” sobre os mamíferos, que são da mesma família do porquinho-da-índia. Biólogos presentes argumentaram que sua remoção da Pampulha não reduzirá o risco de febre maculosa na cidade, já que o carrapato-estrela também infecta cachorros, gambás e aves que vivem na região da Pampulha. “A principal reclamação das pessoas em relação à lagoa é a poluição. As capivaras não incomodam”, disse a estudante de biologia Raquel Hosken, de 26 anos, que também participou da pesquisa do Instituto de Ciências Biológicas.

Enquanto os ambientalistas protestam, a prefeitura corre contra o tempo para retirar as capivaras de lá. É que a chegada das chuvas, no fim do ano, tornará o trabalho mais complicado. Com o nível de água da lagoa mais alto, será difícil localizar os animais. É comum as capivaras passearem pelos jardins da Pampulha quando têm fome, o que geralmente ocorre na madrugada, no fim da tarde e à noite. Para dormir, elas preferem se esconder em moitas. Se não estão comendo ou dormindo, gostam mesmo, sendo semiaquáticas, é de ficar dentro d’água, sobretudo no período mais quente do dia, entre o fim da manhã e o início da tarde. E não é só para se refrescar que as capivaras procuram a lagoa. É lá que elas costumam namorar. Se depender da prefeitura, essa boa vida vai ter fim.

CHEIOS DE FÃS
170 é o número estimado de capivaras que vivem hoje na orla da Lagoa da Pampulha

95% dos frequentadores da região são a favor da manutenção dos roedores, segundo pesquisa de alunos da UFMG

90% dos entrevistados enxergam os animais como um atrativo turístico

350 mil reais é quanto a prefeitura calcula que gastará com a remoção dos bichos

60 quilos é o peso médio de um adulto macho

250 reais é o preço de um prato com capivara no bar Rima dos Sabores, no Prado. A refeição serve seis pessoas e deve ser encomendada com antecedência, pois não está no cardápio

O PORCO-D'ÁGUA
Mamífero nativo da América do Sul, a capivara não é parente da anta ou da paca, embora muitas pessoas confundam as espécies. Da família do porquinho-da-índia, tem o nome científico Hydrochoerus hydrochaeris, que significa porco-d’água. O roedor gosta de viver perto de rios e lagoas, para se refrescar. Consegue ficar até cinco minutos submerso para se esconder dos predadores e possui características semelhantes às do hipopótamo: olhos, orelhas e narinas no topo da cabeça. Atinge a maturidade por volta dos 15 meses de idade. Em cativeiro, a expectativa de vida pode chegar a 12 anos.


COMPANHEIROS DE HABITAT
As capivaras dividem, quase sempre amigavelmente, o espaço na Lagoa da Pampulha com animais que, assim como elas, viraram mascote por lá: os jacarés. Ninguém sabe ao certo quantos são. Especialistas do Ibama já viram répteis de várias idades no local, o que indica a existência de pelo menos uma família da espécie Caiman latirostris, o popular jacaré-do-papo-amarelo, na lagoa. Segundo Daniel Vilela, analista do Ibama em Belo Horizonte, as capivaras da Pampulha conhecem os jacarés e os evitam. Para sorte delas, eles têm fartura de tilápias, traíras, cascudos, carás e lambaris para comer. Mas convém não dar bobeira.


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