sexta-feira, 26 de julho de 2013

Ôôôô de casa:TURISMO


Ôôôô de casa

Conheça um tipo de turismo em que o viajante participa do dia a dia dos moradores da região. Tem quem saia de barco com os pescadores, tem quem participe da produção de azeite de dendê.

POR Débora Didonê Edição 128
Caminhando pelo canal do Uruguai, bairro de aterro com moradias populares encravado em uma península de Salvador, na Bahia, dá para perceber coqueiros e amendoeiras nascidas em buracos abertos nas encostas cimentadas. Há 30 anos, o chão ali era água e as casas eram de palafitas. Para sanar o problema, foi construído um canal de concreto onde a água segue em direção ao mar. Apesar das benfeitorias, o lugar ainda é conhecido como Alagados. O trabalho de trazer o verde para aquela área é obra de Seu Levi, um morador antigo do bairro. Essas e outras informações, o turista fica sabendo pelo morador que o acompanha, uma espécie de guia que sabe contar as histórias do lugar como ninguém. O trajeto pode, ainda, ser interrompido para um saboroso descanso, na cozinha de uma das casas dali, com caldo de sururu, regado a bate-papo dos bons.
A descrição acima faz parte do passeio Valorizando a Cultura da Paz, uma possibilidade de turismo para quem vai a Salvador e quer fugir dos roteiros convencionais. O trajeto dura um dia e nele o viajante faz um mergulho nas comunidades baianas.
Conhecer um bairro, uma região, por seus moradores é a proposta do turismo comunitário, um jeito diferente de viajar. "É um tipo de turismo que deixa a comunidade escolher onde o turista entra, almoça, se hospeda. É o que estamos aprendendo a fazer", diz Marilene da Conceição Nascimento, a Leninha, coordenadora da Escola Comunitária Luísa Mahin, que apresenta aos visitantes um trabalho de educação feito com 300 crianças do Uruguai. Nessa proposta, o roteiro é organizado e gerido por quem vive e trabalha ali, conhece ruas, becos, cozinheiras de mão cheia, donos de bares e restaurantes ou mesmo a criançada que joga bola na esquina. Outro diferencial: o lugar não costuma fazer parte dos roteiros turísticos tradicionais. Seus atrativos são belas paisagens, mas também histórias de vida bacanas, projetos sociais interessantes, artesanatos e pratos típicos de cair o queixo. "Geralmente as empresas comercializam pacotes de viagem sem que a comunidade receptora participe da sua construção. Mas nossa proposta é que os moradores interajam em um pensar coletivo, mesmo que seja para falar dos problemas do bairro", afirma a professora Francisca de Paula, coordenadora do projeto de pesquisa e extensão de Turismo de Base Comunitária da Universidade do Estado da Bahia (TBC/Uneb).

De portas abertas
O turismo comunitário no Brasil ainda está no início. É possível encontrar alternativas assim em estados como Bahia, Ceará e Rio Grande do Sul. E em países como Argentina e Chile.
O bairro Uruguai, em Salvador, por exemplo, recebe estrangeiros há quase sete anos. Isso por causa do incentivo de uma organização britânica que desenvolve projetos sociais em bairros pobres da cidade. Outro bairro da capital baiana, o Cabula, que apesar de ser extremamente urbanizado já foi um quilombo, também abriu suas portas aos visitantes há cerca de dois anos. Incentivar a ida de turistas por lá, guiados por moradores, foi uma iniciativa de um grupo de professores da Universidade do Estado da Bahia, localizada no bairro. "É uma forma de promover a identificação de valores culturais e a troca de saberes entre as comunidades, incluindo suas memórias. E tem a participação de todos, de jovens e adultos a homossexuais, negros e índios", diz a coordenadora do projeto, Francisca de Paula.
Esse tipo de turismo é, ainda, uma chance de grupos tradicionais preservarem seus costumes, compartilhando com os visitantes práticas às vezes milenares, e antes só passadas aos filhos. É isso que o turista pode encontrar na região do Recôncavo Baiano, onde cerca de 500 quilombolas criaram a Rota da Liberdade. Por lá, as pessoas experimentam produzir azeite de dendê e artesanatos. "São práticas da época da abolição da escravatura, num lugar onde viveu o maior número de escravos africanos trazidos para trabalhar na produção do açúcar", conta o coordenador Ananias Nery Viana.

Pesca e artesanato
Quando você faz esse tipo de turismo, além de mergulhar na cultura, ainda ajuda a comunidade. "Ao longo dos últimos 40 anos, comunidades cearenses centenárias foram desestruturadas ao ter suas áreas transformadas em polo de turismo. Houve um processo de favelização, alcoolismo, dependência química e exploração sexual. Por isso, buscamos uma forma de turismo que traga melhorias para a pesca, o artesanato e os serviços turísticos", explica Rosa Martins, coordenadora da Rede Cearense de Turismo Comunitário (Tucum).
Há quase uma década, turistas brasileiros e estrangeiros são recebidos por 13 comunidades distribuídas ao longo do litoral cearense, sem ferir sua identidade. Ao contrário. Organizados pela Rede Tucum, grupos de pescadores, marisqueiras, artesãos e produtores rurais convidam o visitante a transformar a mandioca em farinha, pescar em alto-mar e acompanhar os catadores de marisco nas trilhas que vão até os manguezais.
Segundo Rosa, esse turismo vem para firmar modelos de vida mais sustentáveis, ajudando a dinamizar práticas de pesca, caça, agroecologia e culinária. Esse diálogo com os modos de sobrevivência leva à conservação do entorno. Assim também ocorre com os índios mapuches no município de Mariquina, no sul do Chile, que resistem à força da urbanização, das hidrelétricas e das empresas florestais recebendo turistas para conhecer sua comida, suas festas, seus ritos, o cultivo da agroecologia e as feiras de escambo. "O maior desafio dos mapuches é a preservação dos costumes", diz Christian Henríquez, pesquisador da Universidade Austral do Chile.

Caminhos Rurais
Na área rural dos arredores de Porto Alegre, que ocupa 30% do território da capital gaúcha, as comunidades passaram a usar fossa ecológica, lixeiras seletivas e a substituir o plástico por louça depois que criaram os Caminhos Rurais. Orientados pela Coodestur, cooperativa que faz uma espécie de consultoria no assunto, 11 bairros vinculados ao projeto preocupam-se cada vez mais em melhorar suas propriedades para receber visitantes e também para vender produtos durante as visitas. "Eu vendia alface, pêssego, ameixa e geleias na feira do centro de Porto Alegre. Agora vendo para quem faz o roteiro também", diz a engenheira agrônoma Silvana Beatriz Bohrer, que vive em um sítio a 35 quilômetros da capital.
Segundo a turismóloga e geógrafa da Coodestur Juliane Magagnin Da Soller, um dos maiores desafios dos Caminhos Rurais é administrar o aumento na busca por esse tipo de roteiro. "O visitante precisa estar aberto a vivências, entender o turismo muito mais como uma atividade cultural que econômica", observa Francisca de Paula. Assim, descobrem-se aventuras pesqueiras, plantadores de árvores e uma gente que se destaca pela singeleza com que leva a vida. É uma viagem não apenas para um lugar, mas para dentro de um povo, que tem ideias e constrói uma vida com elas.

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