sexta-feira, 14 de junho de 2013

Uma viagem 100% sustentável

Giuliana Capello - 04/06/2013 às 10:53

“Viaja para dentro de ti”, diz a frase de um mestre oriental. Quer coisa mais difícil nos dias de hoje, com tantos estímulos para nos fazer olhar apenas e tão somente para fora, para o outro? Vejo com frequência notícias sobre pessoas que viajam milhares e milhares de quilômetros para meditar no Oriente, e não resisto à pergunta: não dava para meditar em casa mesmo? Por que foi preciso atravessar o mundo se o caminho era para dentro do espírito, era vertical e não horizontal? “Bastava” sentar, fechar os olhos e permanecer em silêncio por algum tempo, com a disciplina e a atenção de quem conquista um bom hábito para a vida cotidiana.
Não, não. Mais fácil é pegar um avião para a Mongólia, visitar cidades antigas no Laos, atravessar o deserto do Marrocos ou percorrer a pé, durante meses, o caminho sagrado da nascente à foz do rio Ganges, certo? É como se até a paz interior pudesse se transformar em mercadoria… “Vou fazer uma peregrinação e, na volta, serei outra pessoa”. Será? Nossa sociedade não sabe mais reconhecer coisas que não podem ser compradas. Assim, o que não vai à vitrine simplesmente não existe. É preciso inventar um jeito de comprar contentamento, paz de espírito, tranquilidade…
A indústria do turismo faz esse tipo de coisa muito bem: vende iluminação espiritual, romances inesquecíveis, status no mundo do trabalho (sempre “pega bem” dizer que passou as férias fazendo um MBA ou estudando um idioma). Vem tudo de fora para dentro (mas nada muito profundo), sem que seja preciso qualquer esforço ou comprometimento. É só abrir a carteira e consumir
Nem mesmo quem viaja a lugares tidos como sagrados escapa da superficialidade. Dias atrás vi na tv um pedacinho de um programa que mostrava o turismo no Camboja. O lugar era maravilhoso, com templos milenares repletos de histórias interessantes. Mas sabe que local era o mais visitado por lá? Um cantinho em um templo, registrado na cena de um filme que tinha a Angelina Jolie como heroína… Pode? As fantásticas histórias do povo que viveu ali se tornavam irrelevantes diante do fato de a atriz ter tocado aquelas paredes… Socorro…
Cá entre nós, acho que poucas coisas no mundo conseguem ser mais insustentáveis do que a indústria do turismo – e os próprios turistas. Viajar está mais barato, sim (falsamente, é bom lembrar, porque os impactos socioambientais não são nunca contabilizados), mas também menos significativo. Claro, banalizamos tudo! Nada mais nos faz suspirar ou nos surpreende – com exceção dos deuses hollywoodianos, obviamente. A enorme montanha é apenas uma enorme montanha. O cânion belíssimo vira um tédio em poucos minutos; o parque de árvores gigantescas perde o sentido depois que o celular registra a foto para as redes sociais…
Raramente o viajante leva na bagagem o propósito de fazer da jornada uma experiência realmente transformadora ou relevante, para dizer o mínimo. Por isso, lanço um convite a você (e a mim também): que tal viajar sem sair do lugar de vez em quando? Que tal aproveitar um fim de semana para observar paisagens interiores que somente nosso espírito pode acessar? Há dentro de nós um roteiro de viagem absolutamente personalizado, exclusivo, radical e sustentável, à espera de um explorador aventureiro…
Pequenos momentos dedicados a uma caminhada interna podem transformar nossas vidas para sempre. Em tempos de excessos (de notícias, de imagens, de estímulos, de opções, de tarefas, de atividades, de distrações etc.), dedicar alguns minutos diários a uma breve meditação, sem pretensões ou expectativas (como toda boa meditação deve ser), pode valer mais do que qualquer roteiro mirabolante pelo Andes ou pela Amazônia.
Desenredar-se de sons, imagens, toques, aromas e sabores para simplesmente se deixar levar pelo que guardamos longe de tudo isso e bem mais perto do que imaginamos, em nosso mais íntimo lugar: eis o roteiro de viagem mais ousado (e realmente barato) que alguém pode imaginar neste século de redundâncias e superficialidades. Experimente!

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