sexta-feira, 14 de junho de 2013

Sustentável de corpo e alma

  • Manter um contato maior com a natureza lidera a lista das atitudes que fazem a diferença para conquistar mais qualidade de vida e buscar o equilíbrio com o meio ambiente
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O escalador Julio Mello sobe o Irmão Menor, no Leblon
Foto: Felipe Hanower

O escalador Julio Mello sobe o Irmão Menor, no Leblon Felipe Hanower
RIO - Este mês, um estudo da Universidade de Exeter, no Reino Unido, fez sucesso em redes sociais e outras mídias ao comprovar algo aparentemente óbvio, mas que pouca gente põe em prática. A pesquisa provou que entrar em contato com a natureza aumenta o bem-estar. Nem precisa ser a Amazônia, basta um parquinho, revelou a pesquisa, que acompanhou 10.000 pessoas por 17 anos. São dados consistentes que reforçam a tendência de pensar a sustentabilidade num horizonte abrangente, onde hábitos de consumo caminham lado a lado com a forma de cuidar de si mesmo. Especialistas como Mathew White, líder do estudo de Exeter, destacam que é impossível pensar no meio ambiente global se nós mesmos não estamos em equilíbrio.
Segundo White, frequentar áreas verdes combate o estresse, facilita a conexão com a realidade e oferece uma sensação de bem-estar semelhante àquela proporcionada por relacionamentos bem-sucedidos. Além de, como seria esperado, despertar ou aguçar a sensibilidade ambiental, pois nos mobilizamos mais por aquilo que conhecemos.
Publicada no periódico internacional “Psychological Science”, a pesquisa britânica evidencia uma das tendências da chamada sustentabilidade pessoal, uma visão que valoriza hábitos simples e antigos, porém cada vez mais abandonados num mundo altamente dependente de tecnologia e onde o tempo é um bem escasso.
As outras práticas autossustentáveis que selecionamos para esta edição são fazer sempre atividade física, consumir comida de verdade, rir mais, reaprender a dialogar, conectar-se com os colegas de trabalho, ter animais de estimação, fazer arte, ouvir música e se dar o direito de relaxar todos os dias.
Natureza
Embalada pelos dias mais secos e menos quentes do outono, acaba de começar a temporada de montanhismo no Rio. Colados às rochas, pairando acima da copa da floresta, com o céu e o mar de pano de fundo, os escaladores desfrutam de uma conexão total com a natureza. Mas não é preciso subir encostas para sentir o que a professora de medicina da Universidade de Havard Eva M. Selhub chama de terapia da natureza. Coautora de “Your brain on nature: the science nature’s influence on your health, happiness and vitality” (em tradução livre “Seu cérebro na natureza: a ciência da influência da natureza na sua saúde, felicidade e vitalidade”), Selhub analisou uma série de estudos para mostrar, dentre outras coisas, que a proximidade com o mar e outras fontes de água melhora o humor. Já passear em meio às árvores reduz o estresse.
Segundo Selhub, quando relaxamos num ambiente natural, produzimos menos cortisol, o hormônio do estresse, particularmente nocivo ao hipocampo, onde se formam as memórias. É por isso que, quando estressados, temos problemas de memória. Já níveis controlados de estresse estimulam a formação de conexões dos neurônios, o que facilita o aprendizado.
Passear ao ar livre e tomar sol estimulam a produção de células de defesa do organismo e a de hemácias, o que aumenta a resistência muscular. O sol eleva a produção de serotonina, importante para a regulação do apetite e do humor, e também ajuda a regular o sono. Uma série de pesquisas tem evidenciado o papel de bactérias benignas que vivem no solo de campos e florestas. Ao “colonizar” nosso corpo, elas auxiliam no combate de inflamações. Esse efeito foi visto em testes com animais e percebido em estudos epidemiológicos com seres humanos. Há ainda pesquisas que sugerem benefícios de substâncias liberadas pelas plantas que contribuiriam para reduzir a pressão sanguínea e o cortisol.
Um dos países mais avançados na pesquisa do contato com a natureza é o superpopuloso Japão. Lá existem 100 locais para “Terapia de Floresta”. São lugares onde se pode passear em paz pela mata. E a Universidade de Chiba conduz estudos moleculares para descobrir como a natureza atua sobre o organismo. O americano Richard Louv, criador da expressão “desordem de déficit de natureza”, diz que o estudo da influência do contato do mundo natural em nosso cérebro terá imenso impacto positivo em nosso bem-estar e felicidade.
Relaxamento
Epidêmico nas cidades, o estresse se tornou um dos maiores males do mundo contemporâneo. Atualmente, funciona “como uma metáfora, capturando a incerteza e instabilidade das famílias, das comunidades e regimes políticos em um mundo conturbado”, ressalta o professor de História da Medicina da Universidade de Exeter, no Reino Unido, Mark Jackson, que está lançando pela Oxford University Press, após dez anos de pesquisas, o livro “The age of stress” (“A era do estresse”, em tradução livre).
Jackson lembra que, desde os anos 30 e 40, a partir do trabalho do húngaro Hans Selye, o estresse passou a estar mais fortemente associado ao aparecimento de doenças crônicas, como as cardíacas, câncer, reumatismo e asma. Contra este mal contemporâneo, uma prática milenar de relaxamento está conseguindo bons resultados.
A ioga tem a capacidade de diminuir a ansiedade e o peso das pressões do dia a dia. Mais do que isso, aumenta a concentração e o equilíbrio emocional. Boa para a mente, ótima para o corpo. Suas posturas, chamadas de ásanas, fazem com que os praticantes tenham mais flexibilidade e força muscular. Além de boa forma.
Quando começou a praticar ioga, há 14 anos, Sheila Leal sequer tinha noção do quanto era agitada. Ela encontrou nesta atividade momentos de paz. Esta sensação boa fez com que Sheila se tornasse uma especialista. Ao mergulhar na filosofia, passou a se chamar Sushiila Leal, professora de Iyengar Yoga do Nirvana, na Gávea.
Seu novo nome significa “boa conduta”. E o método em que se especializou tem como principais características precisão, alinhamento, permanência e sequenciamento dos ásanas, além da utilização de recursos como cintos, blocos, cadeiras e almofadas. Os objetos ajudam os alunos nos movimentos.
— Estamos muito agitados. Temos que fazer 500 coisas, vamos nos fragmentando e, assim, perdemos o contanto com a gente mesmo. A ioga refaz esta conexão — define Sushiila. — Todos podem praticar ioga. Cada um precisa encontrar o seu caminho.
Movimento
O corpo precisa de movimento, e isso requer esforço, mas também oferece muitas recompensas. Quem vence o sedentarismo alcança um nível de qualidade de vida muito maior, para corpo e mente. Já quem não consegue superar a inércia acaba numa rotina insustentável para a saúde. Tanto que a prática de atividade física é uma recomendação oficial de várias sociedades médicas. Apesar disso, o sedentarismo continua a ser predominante na população brasileira.
Seguir o conselho médico significa destinar menos de 2% do seu tempo semanal para a própria saúde. De acordo com o cardiologista Eduardo Saad, coordenador do serviço de arritmias dos hospitais Pró-Cardíaco e Samaritano, 30 minutos de caminhada, de quatro a cinco vezes por semana, já trazem bons resultados para saúde.
— A atividade física tem uma série de benefícios comprovados no organismo. As pessoas que não são sedentárias apresentam maior longevidade, por exemplo. O exercício é um fator tão importante quanto a dosagem de colesterol ou de glicose — explica Saad. — Além disso, a prática de atividades físicas traz benefícios específicos para vários órgãos, mas cada pessoa deve ser avaliada individualmente.
Contra as desculpas para não se mexer, informação. Muita gente não sabe, mas mesmo as pessoas que já passaram por problemas cardíacos devem se exercitar, desde que bem orientadas. E há clínicas especializadas nisso.
Manter a forma foi o primeiro objetivo de Henrique Werneck, de 36 anos, quando começou a correr. Daí para o triatlon foi um pulo na piscina e muitas pedaladas na bicicleta. Competidor amador, segue uma severa rotina treinamento. Praticar esportes, na verdade, é sua a sua fórmula para se manter bem humorado, enquanto sua vida profissional acontece no escritório de uma agência de marketing esportivo.
— Se fico dois dias sem fazer nada, fico irritado e dá até coceira — brinca Werneck. — Todo dia costumo fazer pelo menos duas coisas (correr, pedalar ou treinar). E, nos finais de semana, treino mais forte.
Neste domingo, ele participa da prova Rei e Rainha do Mar. Serão 3,5 quilômetros de natação entre Leme e Copacabana.
— Minha prova é o Ironman, no fim de maio, em Florianópolis. As competições servem como motivação para os treinos diários — diz.
Música
Parafraseando o filósofo Nietzsche, que lançou indagações sobre o tema: “Já se percebeu que a música faz livre o espírito e dá asas ao pensamento?”. Para ele, a vida sem a música seria simplesmente um erro, uma tarefa cansativa, um exílio. Na verdade, a vantagem de ouvir música vai além do entretenimento.
A musicoterapeuta Eli Lemos, que trabalha com adultos na redução do estresse, diz que a música é tão poderosa que pode sanar problemas causados até pelo contato excessivo com ela mesma. Segundo a médica, com exceção da eletrônica, toda música tem como base o coração, é feita no ritmo da batida do órgão que bombeia o sangue para o corpo.
— Tenho pacientes que são DJ’s de música eletrônica. Eles chegam irritados porque, ao longo do seu trabalho, o cérebro é excitado em áreas que não estimulam a dopamina, neurotransmissor de substâncias que favorecem a calma. A música sintética faz com que eles fiquem ansiosos, o que é bom para eles naquele momento, mas depois isso precisa ser controlado. Uso a música como aliada para encontrar o equilíbrio durante as sessões de musicoterapia — diz Eli.
Ela explica que o ouvido humano é um órgão que converte um estimulo mecânico, produzido em meios externo, em estímulos nervosos. Um som mais relaxante, por exemplo, entra pelo ouvido, chega até a corrente sanguínea, diminuindo as batidas do coração, deixando o tono muscular mais relaxado e gerando um sentimento de prazer.
— A música não é um fator inocente, ela sempre vai provocar alguma emoção no cérebro, seja ela boa ou ruim. Por isso, se usada apropriadamente, ela é brilhante em casos de redução de descontrole emocional, depressão e todas essas doenças atuais que estão relacionadas à alma — ressalta.
Muito mais do que escutar música, o ato de fazer o som também é bastante recomendado por especialistas. O músico Leonardo Rugero diz que tocar instrumentos fortalece e melhora a coordenação motora:
— Estudar música amplia o raciocínio nas crianças, e altera algumas regiões do cérebro, podendo combater o mal de Alzheimer.
Riso
Em um canto, alguém inspirado conta uma piada. E é o primeiro rir da própria graça. O vizinho o acompanha. Poder ter achado a piada engraçada ou talvez apenas queira seguir a atitude do amigo. A corrente continua. Logo todos no ambiente estão contaminados e surge o fenômeno conhecido na cultura popular como ataque de riso. E rir é, de fato, contagiante. O que parece ser uma apenas uma galhofa generalizada pode se transformar, segundo especialistas, em método de trabalho e de alívio do estresse.
Estudos de medicina mostram que uma boa gargalhada acelera e faz circular mais sangue pelo organismo, o que aumenta a oxigenação dos tecidos. Rir estimula a absorção de oxigênio pelos pulmões, a inalação do ar é mais profunda e a expiração mais forte. O movimento funciona como uma massagem para o sistema gastrointestinal, o que facilita a digestão. É um método terapêutico universal. No livro “A expressão das emoções nos homens e nos animais”, o pai da Teoria da Evolução, Charles Darwin, já classificava o riso como algo inerente a qualquer ser humano.
Instrutora da Fundação Arte de Viver, que promove cursos destinados a melhorar a qualidade de vida através do controle do estresse, Flávia David diz que o riso é consequência de situações que propiciam sentimentos considerados puros, como serenidade e amor.
— O riso surge quando nós estamos livres de estresse. O efeito dele, porém, é rápido. Ao sorrirmos, contagiamos o ambiente. No trabalho, as pessoas se tornam mais produtivas.
Uma vida sem riso também contagia, só que negativamente.
— As pessoas são influenciadas pela raiva. Então surgem conflitos — alerta Flávia.
Para a escritora e consultora de relacionamentos Suzana Leal, o sorriso e o bom humor são "lubrificantes, que fazem deslizar e reduzir os impactos da engrenagem da vida".
— O riso é capaz de solucionar as crises do cotidiano sem qualquer esforço.
Um dica dada pela escritora é se olhar no espelho logo ao acordar e soltar uma gargalhada. Independente do estado de humor. A ideia é que a pessoa perceba, pela energia gerada da risada refletida no espelho, o que outros sentem quando presenciam as feições que desenham o seu rosto nestes momentos.
Ouvir
Numa discussão, não é raro que alguém lembre do batido argumento “você tem dois ouvidos e uma boca para ouvir mais do que falar”. O golpe verbal tem a dupla função de mandar o outro se calar por um tempo e de reforçar um fator essencial na comunicação humana: a capacidade de ouvir. Capacidade que aumenta a tolerância e, ao servir de instrumento para um maior entendimento do próximo, ajuda a aliviar as preocupações pessoais.
Problemas de diálogo costumam ser apontados como uns dos maiores fatores de conflitos de dentro de famílias, organizações e sociedades. A psicóloga e doutora em relacionamentos Iracema Teixeira diz que o diálogo é fundamental para gerar intimidade entre duas pessoas e, posteriormente, confiança.
— O contato interpessoal gera crescimento pessoal, além de estimular a capacidade de negociação, a busca de consenso e, principalmente, a autorregulação. Lidar com as próprias emoções de ceder, de se expor e de manter o posicionamento são comportamentos assertivos que traduzem maturidade.
Vale lembrar que um dos fatores de avaliação da qualidade de vida da Organização Mundial de Saúde (OMS) diz respeito às relações sociais. Relações consideradas gratificantes, segundo a entidade, só podem ser construídas por meio do diálogo.
Em termos práticos, a capacidade de ouvir pode ser exercitada em praticamente todos os momentos do dia. Em casa, com a família; no trabalho, com os colegas; no bar, com os amigos. Diretor-executivo da Rádio Ibiza, que produz a trilha sonora de diversos eventos e locais, Pedro Salomão se comprometeu, por exemplo, a se encontrar pelo menos um dia da semana com os sobrinhos de 11 e 20 anos, em um algum bar, para colocar a conversa em dia.
— O mundo está carente de diálogo. Acho que essa geração nova recebe muitas informações empacotadas, oriundas das mídias sociais e da web, e carente de inteligência emocional adquirida num bom papo com os mais velhos e experientes. É uma maneira de saber de suas vidas, de suas aflições.
A comunicação, principalmente a capacidade de ouvir, é importante também durante o trabalho. É o que forma líderes e gera comprometimento entre a equipe. O triatleta e organizador da corrida de rua Circuito Light Rio Antigo é quem diz:
— O diálogo é fundamental. Por meio dele, é possível dizer o que esperamos um do outro. Negociamos o que queremos e como queremos. É a base de toda relação, seja pessoal ou profissional — acredita Pedro Salomão.
Animais
Um clichê antigo é o do cachorro como melhor amigo do homem. Também há o estereótipo da pessoa solitária numa casa repleta de gatos. Um tipo de amor que parece compensar aquele que falta nas relações humanas. O contato dos homens com os animais domésticos começou há pelo menos 10 mil anos e a parceria continua forte. Basta ver o sucesso de filmes comerciais como “Marley e eu” e “Para sempre ao seu lado”, que levaram às lágrimas milhões de pessoas em todo o planeta.
Mas o fato é que a ciência mostra que conviver com animais desde cedo faz bem à saúde. Uma pesquisa da Universidade de Miami indicou que os donos de cães ou gatos “têm mais qualidade de vida e conseguem resolver melhor diferenças individuais do que as pessoas que não possuem animais de estimação”.
Carine Savalli, professora do Curso de Psicologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), destaca estudos realizados recentemente que mostram uma maior motivação para os exercícios físicos quando há um animal doméstico em casa.
— Há também a questão do vínculo afetivo. O ser humano é capaz de estabelecer um apego muito forte aos animais. Isso ajuda na abertura para o relacionamento com outras pessoas — diz.
A advogada Valéria Toussand conta que seus nove cães e quatro gatos foram a melhor companhia durante os momentos em que sofreu de depressão.
— Essa troca de carinho, atenção e cuidado é muito boa e faz ter a certeza de uma companhia sempre. Depende muito da situação da pessoa. Quem mora sozinho, por exemplo, não se sente mais só — afirma.
Uma das gêmeas campeãs do nado sincronizado, Branca Feres, que tem oito gatos em casa, acredita que os animais lembram aos seres humanos a importância das relações entre as pessoas.
— Acho que cachorros e gatos nos recordam da dependência que uma pessoa tem com as outras. Isso nos leva a cuidarmos melhor de nós mesmos.
Para a economista Gladis Gil, proprietária de um cachorro e dois gatos, ter um animal em casa é um conceito de vida. Segundo ela, eles ensinam as pessoas a viverem com simplicidade.
— Nós também podemos viver de forma simples. Basta aplicarmos os mesmos conceitos da mãe natureza, reduzindo o consumo exacerbado, reciclando e plantando em pequenos espaços.
Arte
Mesmo que não seja possível viver de arte, ao menos devemos permitir que a arte faça parte do cotidiano. Pequenos detalhes fazem a diferença, e o exercício de uma habilidade pode ser tão prazeroso quanto construtivo, além de ampliar a consciência estética e a criatividade.
Como ressaltou Carl Jung: “A arte é a expressão mais pura que há para a demonstração do inconsciente. É a liberdade de expressão, é sensibilidade, criatividade, é vida.”
Para muitos, o lado artístico só deveria ser estimulado se houvesse um talento. Mas, na verdade, todo ser humano é provido de sensibilidade. Portanto, nunca é tarde para começar a desenvolver um projeto pessoal, seja ele relacionado a pinturas, desenhos, fotografia, cinema ou audiovisual. Confeccionar objetos, aprimorar habilidades com interpretação, ou trabalhar no campo da literatura, e até da poesia, vale tudo.
— O primeiro passo é identificar a área onde cabe o seu prazer, caso não encontre nada que goste, é muito simples, invente uma coisa nova — diz Ana Carolina Pinto, atriz.
A estudante de artes Cecília Cavalieri largou uma carreira em jornalismo de moda para embarcar numa aventura voltada para a percepção dos pequenos detalhes da vida. Em 2012, ela decidiu fazer mestrado em Processos Artísticos Contemporâneos na UERJ, e já colhe frutos da nova empreitada.
— A vida simples está ao redor. Nós é que somos muito complicados. Acabei investindo num ateliê dentro da antiga Fábrica Bhering. Atualmente faço experimentos com pintura, fotografia e stencil — afirma — De fato, pequenas coisas podem mudar a nossa vida, mas o que faz a diferença mesmo é poder fazer o que gostamos, seja cultivar uma horta, andar de bicicleta, construir um objeto. O grande barato é poder provar para si mesmo o quanto você é capaz de surpreender-se.
Além de aperfeiçoar o lado criativo, a produção de arte dá sentido à existência, diz:
— Viver não faz muito sentido. Quando você produz algo, como um quadro, ou uma escultura, você se percebe melhor durante o processo. O problema é quando se é produtivo apenas para o outro, ou para uma empresa, um filho. A dinâmica do sacrifício é ruim. As pessoas precisam fazer o que têm vontade.
Serendipidade
Em fevereiro, o Yahoo! proibiu os funcionários de trabalhar em casa. A decisão chamou atenção. Surgiram rumores de que os funcionários da empresa americana estariam produzindo menos. Em comunicado oficial, porém, a alegação para a mudança foi estimular a serendipidade. A palavra pouco conhecida vem do inglês “serendipity” e se refere às descobertas felizes feitas, aparentemente, por acaso. Dentro de casa os funcionários não poderiam conhecer melhor os colegas, conversar e trocar ideias promissoras.
A serendipidade está em alta. Decisão semelhante da parte de outro gigante do mundo virtual, o Google, trouxe a questão da importância da interação social no trabalho para a ordem do dia.
Na agência de design Boo! Studio, localizada na Lagoa, os sócios, todos homens, garantem que vão felizes pro trabalho. No escritório, videogame e sofás para sonecas. Quando se cansam das quatro paredes, podem dar um mergulho na piscina do jardim.
— Isso torna o ambiente muito mais propício a ideias novas e criativas. Acreditamos que funcionários felizes com o local de trabalho produzem muito mais e melhor — diz o sócio Bruno Maia.
Gerente de recursos humanos, Michele Pinho argumenta que a interação social é importante para as dimensões biológica, psicológica e social.
— Acredito que este último fator, aliás, influencia diretamente na tão procurada “qualidade de vida no trabalho”. Ela estimula o orgulho de trabalhar na empresa e cria uma espécie de círculo virtuoso — diz Michele, que trabalha na empresa de instalações de equipamentos Personal Service.
Especialista em gestão de tempo e produtividade, o executivo Alexandre Borin Cardoso afirma que o convívio no ambiente de trabalho é importante para uma boa integração e, principalmente, para dar um significado maior ao que é realizado pela equipe.
— O trabalho é parte da nossa realização pessoal e, quanto mais sentido tiver o que fazemos, e com quem fazemos, mais satisfeitos estaremos com nosso trabalho — explica Borin, CEO da Prestus, que assessora profissionais em busca de mais produtividade.
Slow food
Viver no século XXI é adaptar-se ao cotidiano lépido e fugaz dos dias. Na hora de comer, mesmo com um panorama nada favorável para uma vida saudável, e tendo pouco tempo entre os compromissos diários, Bianca Arruda não mais se deixa levar pelos industrializados que prometem praticidade nas prateleiras dos supermercados. Há pelo menos dois anos ela passou a fazer a maioria de seus alimentos, entrando na onda do movimento Slow Food, iniciado na Itália, em 1989, em oposição ao fast-food. A ideia na verdade é mais simples do que parece: a slow-food é tudo aquilo que a fast-food não quer ser.
— Fiquei internada por conta de uma bactéria alimentar, isso foi o golpe derradeiro. Precisei gastar muito dinheiro e tempo para me recuperar. Fiz uma dieta que excluía os conservantes e minha pele ficou bem mais saudável. Prometi que não voltaria a consumir nada processado. Daí, passei a fazer meus pães, bolos, massas, e principalmente analisar a procedência dos ingredientes. Isso inclui os ovos, o trigo, as carnes, o leite, as verduras e as frutas— conta.
Além de conhecer a procedência dos alimentos, outra bandeira que o movimento levanta, vai totalmente contra a urgência. O ato de ingerir o alimento às pressas ganha uma reflexão mais ampla. No manifesto da organização há um trecho dizendo que o Homo sapiens, para ser digno desse nome, deveria libertar-se da velocidade antes que ela o reduza a uma espécie em vias de extinção. Logo, poupar tempo na hora das refeições seria definitivamente um erro grave para a saúde do corpo e da alma.
Desde que ficou doente, Bianca mapeou a maioria dos produtores orgânicos no Rio de Janeiro. Descobrindo uma série de fornecedores que cultivam alimentos sem uso de pesticida ou conservantes. Passou a entender a dinâmica do alimento e a compactuar com o ritual da ingestão calma e lenta:
— O que levo de mais precioso é o ato de sentar à mesa e entender aquele momento como fundamental para a minha dieta. A longevidade está no que você põe para dentro. Gosto de mastigar, me obrigo a diminuir meu ritmo nas três refeições: café da manhã, almoço e jantar.
Ter tranquilidade à mesa é apenas parte de um hábito que deveria ser cultivado em busca de um estilo de vida menos agressivo ao corpo e à mente.




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