terça-feira, 24 de julho de 2012

Militantes em causa própria


Eles nasceram no auge da discussão ambiental e herdarão um planeta caótico. Quem é a geração em busca de um futuro mais verde e saudável

ALINE RIBEIRO|
Mateus Ferreira da Silva (Foto: Pedro Farina / Época)paulistano Pedro Sartori, de 13 anos, passou as férias de janeiro com o pai, a mãe e as três irmãs nos Estados Unidos, dividindo-se entre as montanhas-russas da Disney, espetáculos de baleias orcas no Sea World e visitas a seus super-heróis favoritos nos parques da Universal. Embarcaram num avião em São Paulo rumo a Orlando e, depois de 15 dias, retornaram ao Brasil com as malas cheias de mimos e um monte de história para contar. Em outros tempos, seria uma viagem inocente. Em época de mudanças climáticas, derretimento das geleiras e extinção de espécies, um simples passeio pode vir embutido de um sentimento de culpa. De volta para o colégio Bandeirantes, a escola particular onde estuda, Pedro estimou na aula de ciência quanto ele e a família emitiram de gases do efeito estufa, uma das causas do aquecimento global, na ida aos EUA. O cálculo, feito por um site, mostra quanto cada um poluiu e quantas árvores poderia plantar para aliviar seu pecado. Pedro precisa plantar 38 mudas no solo para pagar sua conta.
Esse é um dos carmas da geração de Pedro, nascida no auge do caos ambiental. Ela precisa agora assumir a responsabilidade pelo passivo de seus antecessores. O prenúncio da catástrofe está em toda parte. No comercial de TV que mostra um urso-polar desolado sobre a única ilha que não derreteu. Ou na campanha de uma ONG em que uma motosserra destrói a floresta. O bombardeio não se restringe aos problemas que assolam a Terra. Essas crianças e jovens – que vieram ao mundo entre a Rio 92, quando a discussão das mazelas ganhou fôlego, e a Rio+20 – sofrem uma chuva de cobranças.
Ana Livia Lopes de Queiroz  (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)
Nada mais é inconsequente. Até mesmo os passatempos frugais se transformaram numa chance de salvar o planeta. A tradicional brincadeira de plantar um grãozinho de feijão no copo de iogurte, e esperar despretensiosamente que o broto desponte do algodão ensopado, agora ganhou contornos mais nobres. A Danone lançou uma edição especial de Danoninho que vem com sementes nativas da Mata Atlântica. As livrarias oferecem guias para crianças sobre como ser sustentável. Um deles relaciona dez passos de um dia amigo do meio ambiente. Isso inclui comer ovos de galinha caipira (difícil é encontrar um), criada ao ar livre e com alimentação mais saudável, e jogar a casca em composteiras orgânicas para gerar menos lixo. Até os super-heróis do cinema vestiram a capa verde. Em O Lorax: em busca da trúfula perdida, o menino Ted descobre que o sonho de sua amada é ver uma árvore de verdade, em extinção no mundo criado pelos autores do filme, onde tudo – da flor à parede das casas – é de plástico.
A tradicional brincadeira de plantar feijão no copo de iogurte agora virou salvamento da mata atlântica 
A parte que lhe cabe para salvar a Terra do colapso anunciado, Pedro está fazendo. Antes de saber qual seria sua dívida para este ano, já plantara cerca de 50 árvores num sítio da família no interior de São Paulo. Tem, portanto, um crédito verde. “Você olha e pensa: nossa, fui eu que coloquei aí. Legal”, diz. Desde pequeno, quando a avó lhe ensinou que o plástico jogado na rua corre com a enxurrada para os bueiros, cai nos rios e depois no oceano, ele não joga lixo no chão.
A despeito do exagero, são jovens como Pedro que estarão por aqui nas próximas décadas, convivendo num mundo que nem os cientistas sabem ao certo como será. O recém-divulgado Panorama Ambiental Global, das Nações Unidas, afirma que 38% dos recifes de corais sofreram redução desde 1980 e 20% das espécies vertebradas estão ameaçadas. O encolhimento da biodiversidade diminui as chances de os cientistas descobrirem novos remédios. Sem falar no possível aquecimento de até 4 graus até o fim do século, suficiente para aumentar a frequência de desastres climáticos e elevar o nível dos oceanos.

Diante das ameaças, os jovens de hoje assumiram um protagonismo inédito. “As crianças de antigamente saíam da sala quando chegava visita”, afirma Mário Volpi, coordenador do programa Cidadania dos Adolescentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). “Agora são chamadas para opinar. Não existe mais conversa de adulto.” A sociedade começa a superar o conceito da incapacidade infantil. Os pequenos podem não ser maduros, mas conseguem pensar e tomar decisões. Eles contam com informações para contestar. No passado, recebiam os conceitos da Igreja, da escola e da família. Agora, entram no Google dentro da sala de aula para questionar o professor.

A visão catastrofista é imobilizadora. É preciso mostrar a esses jovens que a sociedade sempre resolveu suas grandes questões com inovação, atuação política e individual. A geração de hoje dispõe de ferramentas para convencer quem está a sua volta a sair do sofá e brigar por uma causa. O fluminense Mateus Ferreira da Silva, de 13 anos, usa as redes sociais para convocar os moradores de Búzios, no Rio de Janeiro, a preservar o Mangue de Pedra, um ecossistema raro no mundo. O manguezal sofre com o lixo jogado de forma irregular pela população. E, mais recentemente, com a possível construção de um empreendimento imobiliário. Em dias de sol forte, Mateus reúne os amigos para retirar o piche que chega pelo mar e fica grudado nas pedras do mangue. Com o calor, ele amolece. “Tenho muito afeto por este lugar”, diz. “É único e me faz sentir conectado com a natureza.” Mateus abraçou a luta há três anos. Há poucos meses, durante uma audiência pública sobre os rumos do ecossistema, foi convocado a falar de última hora. Pegou o microfone e discursou para uma plateia na Câmara de Vereadores. Na ocasião, acusou irregularidades na obra e reivindicou que a área seja transformada num parque estadual. Foi aplaudido. “Ele me dá orgulho, mas no fundo fico preocupada porque peita demais, faz denúncias”, diz a mãe, Aldenora. A pressão local fez com que o Ministério Público embargasse a construção.
Em geral, os valores morais, como o senso de justiça e a importância de fazer o bem ao próximo, são passados de pais para filhos. Mas alguns princípios éticos para um mundo mais sustentável seguem o fluxo contrário. São transmitidos dos filhos para os pais.
Práticas consideradas naturais no passado, como matar um passarinho com estilingue ou lavar o quintal com uma mangueira de água, não são mais aceitáveis para grande parte das crianças. “Elas ajudam a desenvolver uma consciência que não existia na infância de seus genitores”, afirma Volpi.
Nadson Weyne (Foto: Jarbas Oliveira/ÉPOCA )
Na casa da mineira Olívia Blanc, de 11 anos, que vive em Belo Horizonte, é ela quem cuida do comportamento dos pais quando se trata das ações diante de sua amiga Terra. Vigiava os pais durante o banho para ver se desligavam o chuveiro enquanto se esfregavam com a bucha. Depois que aprendeu a escrever, passou a colar bilhetes nas pias da casa com os dizeres: “Favor fechar a torneira ao ensaboar as mãos”. Um impasse, porém, Olívia ainda não conseguiu resolver. Sua mãe, arquiteta, não abre mão das lâmpadas incandescentes, por considerá-las mais aconchegantes. Um abajur aceso constantemente à noite para guiar os passos de quem cruza a sala é o pesadelo da filha. Ela não suporta a ideia de manter a luz sem ninguém ali, e menos ainda de não trocar as lâmpadas por fluorescentes, mais econômicas. “Já mostrei a conta do mês para ela, para explicar que nosso consumo é baixo”, diz a mãe, Ana Paula. “Mas ela me inferniza para substituir as lâmpadas.”
Alguns princípios éticos para o mundo sustentável são transmitidos dos filhos para os pais 
A nova resolução de Olívia é parar de comer carne vermelha e de frango, apesar de gostar de ambas. Influenciada por vídeos na internet que mostram o abate cruel dos animais, decidiu trocar o filé por proteína de soja, mais feijão e legumes. “Vou deixar de comer peixe e frutos do mar também quando fizer 18 anos”, afirma. “Meus pais não poderão me obrigar.” Olívia diz ter virado semivegetariana porque sente pena dos bichos, mas também por saber que o metano emitido pelos bois contribui para o aquecimento do planeta. E que o gado é um dos principais responsáveis pela derrubada da Amazônia, uma vez que toma o lugar das florestas. Pela liderança notável, Olívia virará até personagem do filme O que queremos para o mundo, parte de um projeto de um grupo de artistas mineiros.

Os pedidos pelo fechamento das torneiras ou por um destino correto para os resíduos chegaram às casas dos bairros pobres. A paulistana Ana Livia Lopes de Queiroz, de 11 anos, vive na Brasilândia, um distrito de 280 mil habitantes da Zona Norte de São Paulo, com um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) da capital. Sua casa fica no meio do quarteirão, numa ladeira inclinada e rodeada por residências sem acabamento. A poucas ruas dali, adolescentes se juntam em rodinhas no meio-fio, com o som alto no celular ou no porta-malas do carro, para fumar ervas aromáticas em narguilés, que entrou na moda nas redondezas.

Foi num projeto socioambiental da prefeitura, o Saci, que Ana Livia ouviu falar em conceitos como energias renováveis, mudanças do clima e contaminação das águas. Eram meados de 2009, e ela tinha só 8 anos. Naquela época, andava com dois cartões de papelão a tiracolo, um verde e um vermelho, parabenizando e repreendendo quem cruzava seu caminho – de acordo com as atitudes de cada um em relação ao planeta. Ana Livia é uma agente ambiental mirim. Tirou o primeiro lugar em seu trabalho de conclusão do curso no Saci com uma ideia simples: conscientizar os vizinhos a guardar óleo de cozinha para fazer sabão em casa. Ana Livia tinha ouvido falar de uma senhora do bairro que usa o resíduo numa receita de sabão em pedra. Ao deixar de jogar o óleo pelo ralo, pensou, as donas de casa ajudariam a manter os rios despoluídos. Além de parar de gastar com detergente. “Elas podem vender e ter uma nova fonte de renda”, diz. “E a gente terá água limpa para beber.”

Essas atitudes não são exclusivas da juventude brasileira. As crianças de outros países parecem até mais conscientes. Segundo uma pesquisa do canal infantil Nickelodeon com 16 mil crianças entre 6 e 11 anos de sete países latino-americanos, os brasileiros são os menos preocupados com o meio ambiente. O estudo, do final de 2010, mostrou que, no México, 84% dos entrevistados se dizem sensíveis à causa. No Brasil, último do ranking verde, 56% deles afirmaram se importar com a natureza. As conversas mostram que, mesmo sem saber exatamente como contribuir na prática, já faz parte da rotina dos pequenos não jogar lixo na rua, fechar a torneira enquanto escovam os dentes e não tomar banho de mais de 15 minutos.
Banhos curtos e torneiras fechadas já fazem parte dos hábitos das crianças brasileiras 
As empresas detectaram o movimento verde no universo infantojuvenil. Guiada por pesquisas, a Danone criou o Danoninho Para Plantar (aquele das sementes da Mata Atlântica no potinho). Além das sementes, a criança recebe um código para acessar uma página na internet. Com alguns cliques, “planta” 1 metro quadrado de floresta de verdade no interior de São Paulo. O plantio real é responsabilidade de uma organização parceira do grupo. “Tivemos um resultado rápido em termos de construção de marca ecológica”, afirma Mariana Rodrigues, gerente de produto de Danoninho. A estratégia deu tão certo que foi exportada para México, França e Espanha.
Olívia Blanc (Foto: Leo Drumond/Nitro/ÉPOCA)
A TV paga voltada para esse mesmo público também enxergou uma oportunidade de negócios. O canal Discovery Kids tem hoje três séries voltadas essencialmente à ecologia. “Os pais pedem que esses assuntos estejam em pauta”, diz Fernando Medin, presidente da Discovery Networks no Brasil. O Canal Futura tem o programa Um pé de quê?, que usa as árvores nativas do Brasil como ponto de partida para ensinar cultura e história do país. Os canais da Disney contam com uma plataforma on-line onde os jovens podem assumir compromissos com o planeta, o Amigos Transformando o Mundo. “Incorporamos o meio ambiente num esforço de oferecer conteúdos que vão além do entretenimento”, diz Cecilia Mendonça, gerente geral dos canais Disney na América Latina.
Sabrina Camillo das Neves (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA )
Alguns críticos da educação ambiental dizem que o tema, apesar de insistentemente presente em casa, na sala de aula, nos programas de TV e nos filmes, ainda precisa ser abordado com mais profundidade. “Há uma limitação financeira e de formação dos profissionais”, afirma Pedro Roberto Jacobi, professor da Universidade São Paulo (USP) e especialista em educação e meio ambiente. As escolas, diz ele, precisam ir além da hortinha e dos ensinamentos sobre coleta seletiva. Devem abordar as políticas públicas, o papel do governo e de cada indivíduo na busca de soluções eficientes para as questões ambientais. “É fundamental criar um sentimento de corresponsabilidade, para que as crianças entendam que o problema tem a ver com elas.”
O cearense Nadson Weyne, de 17 anos, entendeu na prática que é parte do problema. E saiu para a ação. Morador da cidade de Horizonte, região metropolitana de Fortaleza, sofre de asma desde que nasceu. Suas crises pioravam cada vez que um vizinho punha fogo nos restos de galhos e folhas que cobrem a terra, uma prática usada na região para preparar o solo para o plantio. Outra fonte de fumaça na cidade era um lixão irregular. Os moradores queimavam os resíduos em vez de enterrá-los. A combustão do material orgânico gera partículas em suspensão no ar e prejudica a respiração. Nadson não saía do hospital. Foi internado quase dez vezes. Chegou a ir cinco vezes ao ambulatório numa única semana. Perdeu um ano na escola por faltas.

Num projeto da escola municipal onde estudava, apresentou um trabalho para tratar da poluição do ar. Peregrinou com um grupo de amigos de sítio em sítio para explicar aos moradores os efeitos das queimadas. Tentava fazê-los compreender que o fogo empobrece o solo, ao contrário do que eles pensavam. Também foi à prefeitura exigir do governo um aterro sanitário legalizado. Deu tão certo que Nadson foi eleito o “delegado” do colégio.
Depois da cidade. E do Estado. Em 2010, foi um dos 12 jovens selecionados entre 700 para representar o Brasil na Conferência Internacional Infantojuvenil pelo Meio Ambiente. Horizonte ganhou um novo aterro sanitário (o velho passou a receber bem menos lixo). Boa parte dos sítios vizinhos deixou o fogo de lado. Nadson não lembra a última vez em que esteve num hospital por causa da asma. “Pretendo agora levar essa metodologia para uma cidade vizinha que sofre com o mesmo problema”, afirma.

Embora tenham uma consciência ambiental surpreendente, as crianças geralmente não associam a produção de um carrinho, uma boneca ou uma camiseta ao consumo de água e energia elétrica, à emissão de gases poluentes ou à produção de lixo tóxico. “A relação entre o consumo e o meio ambiente não é direta”, afirma Helio Mattar, presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente. Diante dessas mensagens dúbias, os jovens ficam sem saber ao certo como proceder. “Tenho minhas dúvidas sobre qual lado será mais forte para essas crianças”, afirma Jacques Demajorovic, pesquisador de sustentabilidade e professor do Centro Universitário da FEI.

A pequena Sabrina Camillo das Neves, com 5 anos recém-completados, não resiste às tentações do consumo – um comportamento natural para a idade dela. “Explico para ela que tudo custa dinheiro”, diz a mãe, Patrícia. “E que a mamãe trabalha bastante para ganhar, mas não dá para comprar tudo.” De uma guitarra cor-de-rosa da Barbie, Patrícia não conseguiu escapar recentemente. A menina desejou tanto o brinquedo que quase ficou doente. Patrícia deixou de comprar um chuveiro novo para a casa para adquirir o instrumento. Mas Sabrina também sabe que o consumo de tantos produtos gera uma montanha de lixo no planeta. Parte desse material poderia ser reutilizada. E o resto pode ser descartado em lugar adequado, para não sujar as ruas e os rios.
Pedro Sartori (Foto: Camila Fontana/ÉPOCA)
Sabrina só larga a guitarra cor-de-rosa num canto da casa, em Campinas, no interior de São Paulo, para falar sobre sua maior obsessão, zelar pela limpeza da Terra. “Já fui fiscal da natureza na minha escola e fico muito nervosa quando vejo alguém jogando papel na rua”, diz, com as sobrancelhas franzidas. Quando vai com a mãe à manicure, o trajeto entre a casa e o salão de beleza fica três vezes mais demorado do que em dias normais. “Ela para o tempo todo porque encontra um papel ou uma bituca”, afirma Patrícia. Indignada com a sujeira da cidade, Sabrina diz que seu sonho é ter um aspirador bem grande para passar na calçada. Um dia desses, ela chamou a atenção da própria mãe. Patrícia colocara na lixeira algumas canetinhas já gastas da filha. Quando soube, Sabrina correu em direção à área de serviço para resgatar as tampas. Queria reaproveitá-las na construção de um robô de sucata. “Dava para fazer as perninhas”, afirma Sabrina. Quando pergunto por que gosta tanto do planeta, ela responde apressadamente:
– Porque a gente vive dentro dele, ué.
E por que a gente precisa cuidar dele?
– Porque senão ele fica triste, ué.
E o que vai acontecer se a gente não cuidar?
– Ele chora, ué.
Para Sabrina, é tão óbvio que qualquer adulto deveria ter a obrigação de saber.

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