quarta-feira, 27 de junho de 2012

Como limpar as ruas


Com o crescimento explosivo da frota de veículos, não há outra saída: a maneira mais eficaz de induzir as pessoas a deixar o carro em casa é tornar seu uso financeiramente desaconselhável



A Política Nacional de Mobilidade Urbana, que foi sancionada pela presiden¬te Dilma Rousseff em janeiro e entrou em vigor em abril, permite aos municípios brasileiros com mais de 20 000 habitantes a cobrança de taxas dos motoristas que circularem com seus veículos em determinadas áreas. Na prática, a lei abre caminho para a criação do pedágio urbano, um mecanismo concebido pa¬ra desestimular o uso de carros em favor do transpor¬te coletivo. Os recursos arrecadados com o pedágio devem ser aplicados em obras viárias, na promoção de práticas sustentáveis - como uso de bicicletas e melhorias nas calçadas - e no subsídio ao transporte público. A nova taxa só poderá ser instituída depois que o município elaborar um plano de mobilidade e integrá-lo a seu plano diretor. 
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O que grandes cidades do mundo já fizeram e estão cada vez mais fazendo para diminuir as agruras do trânsito é apelar para o lado mais sensível dos cidadãos: o bolso. Trata-se de um conceito simples, embora pareça cruel para quem já se sente sobrecarregado com tantas taxas, impostos e o alto custo do combustível - a maneira mais eficaz de induzir as pessoas a deixar o carro em casa é tornar seu uso financeiramente desaconselhável.
 A melhor forma de fazer isso seria criar alternativas de transporte eficientes e mais baratas que levassem as pessoas a aderir aos sistemas coletivos. Não é, contudo, o que ocorre no Brasil, onde o metrô e os ônibus são superlotados nos horários de pico, o táxi é caro e andar de bicicleta nas avenidas movimentadas é praticamente uma roleta-russa. Com exceção de abnegados e idealistas, a maior parte das pessoas vai continuar preferindo usar veículo próprio enquanto os custos couberem no orçamento. "Numa sociedade que valoriza tanto os carros e o individualismo, os administradores públicos não têm a coragem de fazer o que precisa ser feito porque têm medo de se tornarem impopulares", diz Arturo Alcorta, um dos cicloativistas mais conhecidos de São Paulo, referindo-se a medidas restritivas para a circulação de veículos particulares. 
O potencial explosivo de medidas desse tipo foi observado recentemente na capital paulista, quando caminhoneiros protestaram contra a proibição de trânsito na marginal Tietê em determinados horários - a cidade quase parou por falta do combustível transportado pelos filiados ao sindicato que organizou a manifestação. 


Não é por acaso que Londres - o exemplo mais citado quando se fala em medidas restritivas de circulação de veículos - demorou 25 anos, desde as primeiras discussões, para operar seu pedágio urbano. Com a adoção do sistema em 2003, o tráfego no centro da cidade diminuiu 30%, índice que representaria um tremendo alívio em qualquer cidade. Em São Paulo, seria um impacto maior do que o percebido pelos moradores durante as férias escolares, quando o tráfego na cidade cai cerca de 20%. Em Londres, paga-se uma taxa equivalente a 20 reais para que o motorista tenha o direito de entrar com carro particular na área central da cidade no período entre 7 e 18 horas, tudo controlado por sensores e câmeras. O índice de rejeição à iniciativa, que era alto no início, foi caindo à medida que a população percebeu os ganhos coletivos e se reeducou para buscar alternativas de locomoção. A concepção geral do pedágio urbano é semelhante à do rodízio em funcionamento em São Paulo desde 1998, com algumas vantagens: preserva-se o direito do cidadão de decidir se usa ou não o carro e arrecada-se uma verba significativa para investimentos no sistema viário. 



Cidades como Singapura e Estocolmo miraram-se no exemplo londrino e também adotaram o pedágio urbano.
 Outra importante metrópole que acabou de aderir ao sistema é Milão. Desde janeiro, é preciso pagar o equivalente a 12 reais para circular na região central da cidade italiana nos dias úteis, entre 7h30 e 19h30. Como a medida tem também objetivos ambientais, os carros elétricos, menos poluentes, têm direito à isenção da taxa. Na primeira semana de funcionamento do novo sistema, o número de veículos em circulação na área pedagiada caiu 37% - e os motoristas que decidiram pagar a taxa ganharam um bom tempo em relação à situação anterior, o que fez com que muitos chegassem à conclusão de que o investimento valia a pena.
 Na América do Sul, Bogotá, capital da Colômbia, tornou-se pioneira ao instalar, no início deste ano, um sistema de cobrança de pedágio - o valor varia conforme o horário de circulação, sendo maior nas faixas de pico. 



PREÇO PARA NÃO VENDER 
Outra estratégia que vem sendo adotada em alguns países - todos desenvolvidos e munidos de excelentes sistemas públicos de transporte - para desestimular o uso de veículos particulares são os altos impostos sobre a compra de automóveis. No Japão, há sobretaxa para o segundo carro da família. Na Dinamarca, os impostos representam cerca de 50% do preço de um veículo, o que leva as pessoas a pensar duas vezes antes de comprar um. No caso dinamarquês, o principal objetivo nem é aliviar os congestionamentos, e sim reduzir a poluição e melhorar a saúde da população. Copenhague, a capital, tem 350 quilômetros de ciclovias, utilizadas diariamente por 37% dos moradores - juntos, eles percorrem 1,2 milhão de quilômetros por dia. Esse mesmo apelo à vida saudável certamente cairia bem em São Paulo, cidade onde 70% das 4 000 mortes registradas anualmente por problemas cardiovasculares e respiratórios estão diretamente associadas aos gases emitidos pelos carros - admitindo-se, claro, que os ciclistas tenham condições seguras para circular. "Se São Paulo tivesse a qualidade do ar de Curitiba, que está dentro dos padrões internacionais aceitáveis, os paulistanos ganhariam em média três anos e meio de expectativa de vida e a cidade economizaria 2 bilhões de dólares por ano em despesas com saúde", afirma o médico patologista Paulo Saldiva, especialista em poluição atmosférica da Universidade de São Paulo. 



Claro que as medidas restritivas, isoladamente, não bastam - é preciso tomar uma série de outras providências para que a cobrança de pedágios e impostos não se torne um simples achaque ao contribuinte. A mais óbvia dessas providências é tornar o transporte coletivo mais seguro, confortável e eficiente. Além da ampliação gradual dos sistemas de metrô, a criação de linhas exclusivas de ônibus com grande capacidade de transporte, os chamados Bus Rapid Transit, ou BRT, vem sendo considerada a solução de melhor custo-benefício, pois pode transportar o mesmo volume de passageiros do metrô com um décimo de investimento. O Rio de Janeiro planeja construir quatro corredores de BRTs até 2016, quando sediará os Jogos Olímpicos, mas especialistas têm manifestado preocupação ao verificar que esses projetos parecem desvinculados do sistema de transporte da cidade - o receio é que, passado o evento, as linhas se tornem subutilizadas, a exemplo do que ocorreu com algumas obras na África do Sul, sede da Copa do Mundo de 2010. 



O leque de medidas para começar a virar o jogo da mobilidade urbana é amplo. Alguns apostam em melhores condições para o uso seguro de bicicletas. Outros preferem melhorar as calçadas para incentivar caminhadas. Medidas relativamente simples, como incentivos às empresas para facilitar os programas de trabalho em casa ou a carona solidária, também constam do cardápio. "O importante é tirar o excesso de carros das ruas", diz Strambi, da USP. "Mobilidade urbana é um problema que não tem uma solução única."
*Fonte: Planeta Sustentável

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